Bom dia, fieis leitores e amigos do (renovado) Gagá Games! Hoje falaremos sobre um jogo que, embora não tão velho, já foi lançado ultrapassado. É o primeiro de uma série de dois posts para os quais estou rezando que o Gagá faça vista grossa — esse eu acho que passa, já o segundo não tenho tanta esperança 🙂

Outcast foi desenvolvido pela Appeal, uma softhouse Belga – mais uma de nossas escalas na volta ao mundo em 80 softhouses. Trata-se de uma obra prima ousada que, talvez devido a tanta ousadia, não obteve o sucesso ao qual estava destinada, não alcançando nem mesmo o prêmio de consolação, aquele famoso status cult que jogos não muito vendidos, porém muito bem feitos, acabam por obter. Em resumo, um grande desperdício pois o jogo tem alguns atrativos que surpreendem até os dias de hoje, pecando – talvez, pois nem todos consideram isso um ponto fraco – na tecnologia utilizada em seus gráficos. 

A engine fazia uso de voxels (na verdade, ray casting, o que é um pouco diferente), famosos por não decidirem-se entre ocupar uma posição de vilões ou heróis em matéria de beleza visual, isso desde títulos ainda mais antigos, como Commanche. Uma jogada de risco.

Apresentação (audiovisual)

Estamos em 1999 — na vida real; o jogo passa-se em 2007. A época é de total desprezo por engines gráficas dependentes de software, quando as placas 3D já haviam passado pela padronização do 3D-fx, sendo este substituído por OpenGL e com o Direct3D correndo rápido por fora para, dentro de mais alguns anos, tornar-se padrão nos jogos. Tudo muito tumultuado, mas eis que a Appeal decidiu pela audaciosa tentativa de criar algo que até os coitados donos de placas PCI de 2 mega (vulgas 9440) pudessem jogar e, com sorte, felicitarem-se com os gráficos.


A alternativa pesou um pouco na CPU, fazendo com que Outcast necessitasse de ao menos um processador K6-II e 64 MB de memória para rodar minimamente liso. Tal configuração não era nada monstruosa para a época, mas estava longe de ser ultrapassada. Era o típico computador mediano, o que parecia justo.

A tal técnica de ray casting utiliza-se de um mapa de topografia que projeta os raios de luz desde o ponto do observador até a colisão com o terreno, ignorando o caminho que tais raios fazem após esse momento, o que, em poucas palavras, significa muita economia de processamento e um resultado agradável, embora muitos achem tais gráficos um tanto confusos. Não vou me aprofundar em detalhes técnicos pois foge ao foco do blog, mas é interessante ilustrar rapidamente o funcionamento da alternativa aos polígonos convencionais.

Quando disse que Outcast já saiu ultrapassado, refiro-me exatamente ao fato de ser um jogo rodando em software numa época em que quem não usava aceleração gráfica era tido como ralé.


O resultado final me impressiona até hoje. Juntamos isso com uma trilha sonora gravada pela orquestra sinfônica de Moscou e alguns efeitos visuais precisamente planejados para que em pouco tempo possamos entender que, se Outcast não for um grande jogo, certamente não terá sido por falta de vontade dos desenvolvedores. Os caras colocaram até Bump-mapping em uma engine que não pedia aceleração 3D. Não é coisa para qualquer um!

História/ambientação

Você é Cutter Slade e, em 2007, após uma missão espacial não muito bem sucedida, será conhecido como Ulukai, uma espécie de messias profetizado em um estranho planeta alienígena. E como tudo isso foi acontecer?

Em nossa eterna sede de conhecimento, nós, humanos, mandamos uma sonda para um planeta em um recém descoberto universo paralelo. O promissor mundinho tinha tudo para comportar vida e, de fato, comportava, como transmissões de vídeo vieram a confirmar pouco antes de tal experimento acabar criando um buraco negro que, agora, ameaça a vida na Terra. É o que dá mexer em time que está ganhando. “Não está feliz com seu planeta? Então repense sua vida enquanto coloco esse wormhole para estimular suas idéias…”

Para resolver o problema todo – ou ao menos tentar – uma equipe de cientistas é escadala, sendo escoltada por Slade. Porém a chegada a Adelpha – o tal planeta – não é das melhores e é a partir deste ponto que o jogador toma controle na história.


Adelpha é muito bem trabalhado em nível de gamedesign. O planeta possuiu uma população e história que parecem plausíveis, dando inclusive a impressão de que, ao longo dos séculos, as civilizações “Adelphianas” tiveram seus altos e baixos, tal como aconteceu conosco aqui na Terra. Histórica e geograficamente rico, o mundo paralelo conta com cenários diversos e, sempre, muito detalhados, sendo dividido em quatro grandes regiões principais, todas com nomes dignos dos melhores filmes de alienígena.

Pontos memoráveis

Há alguns fatores em Outcast que sempre me surpreendem – uns pela beleza, outros pela criatividade e os demais pelo cuidado nos detalhes da inteligência artificial.

Para começar, cito rapidamente a primeira “scaneada” que você dá ao chegar a um cenário novo. Basta apertar TAB para que um grid verde-limão varra toda a região até onde os olhos alcançam. Pode parecer besta, mas a verdade é que a cena é bastante bela.

Ainda sobre beleza, acrescento que os cenários são muito caprichados, assim como a água que, em tempos que pixel shader era coisa futurista, se virava muito bem sem ele.


Talvez a coisa mais bacana – ou curiosa – , até mesmo superando os gráficos, seja a maneira como salvamos o jogo. Um talan – talans são o povo de Adelpha – te entrega um item chamado “Gaamsaav”, uma espécie de charuto muito suspeito que, teoricamente, guarda a sua “essência”. Acontece que o tal item emana uma luz forte e faz um som nada discreto, fazendo com que salvar o jogo seja uma tarefa difícil em momentos de ação, adicionando desta forma uma interação interessante neste processo, além de dar um toque shamânico que combina com o clima da história.

A inteligência artificial em Outcast é gigantesca, superando muitos jogos até hoje. Foi dada especial atenção para este fator e suas ações realmente tendem a impactar todo o gameplay, fazendo até complexos puzzles passarem batidos se você utilizar da estratégia correta. Tudo sempre contribuindo para um fator de realismo de alto padrão, e olha que não estamos falando sobre terrenos em condomínios chiques…

Pra completar a breve lista, gosto sempre de lembrar que Ulukai conta com um óculos powered by Go*gle ou algo que lhe valha que, além de identificar coisas no cenário melhor que muito exterminador do futuro, ainda te informa sobre cada detalhe numa agradável voz de nave 😀

Pontos fracos

Os tão elogiados gráficos podem também ser vistos sob uma ótica mais conservadora. Algumas pessoas simplesmente parecem não entender a formação topográfica no game, como no caso de um bom amigo meu que se recusou a seguir em frente por dizer não conseguir sacar onde estava pisando. Acontece que tal opinião parece ser mais comum do que eu julgava.

Os controles em Outcast podem ser um pouco confusos, assim como a história que, de tão detalhada e imersiva, chega a te deixar perdido. É daquele tipo de jogo que, se você deixar de lado uma semana, provavelmente terá de jogar do início novamente ou ao menos voltar alguns saves para tentar se situar melhor.

O mundo de Adelpha não é linear, o que quer dizer que, se você for curioso, visitará cenários destinados aos momentos mais avançados do game, esquivando-se de guardas e não entendendo nada da história. O pior é que depois, quando desejar jogar seriamente, o fator surpresa destes cenários já terá ido por água abaixo. Em geral essa liberdade é incrível, mas cabe ao jogador saber usá-la. O livre arbítrio realmente tem seu preço.

Para completar os pontos negativos, sua montaria não passa de um chocobo estilizado (não que o fato seja realmente um problema). Aliás, quem jogou, lembra-se de como fazer para conquistar a confiança de seu amigo bípede? Uma MEIA com restos de… Ah, deixa pra lá!

Conclusão

Comprei Outcast em uma edição da revista CD Expert e até hoje sou grato por esse dia. A verdade é que durante anos eu apenas apreciei o capricho da obra sem nunca conseguir seguir em frente na história, exatamente por não saber lidar com a amplitude do mundo, porém com o tempo acabei me dedicando. Valeu a pena, e como!

As músicas são dignas de um filme de Spielberg, a cultura de Adelpha é supreendente, fazendo deste game algo que paira entre Avatar e Duna, compondo um jogo que foge a classificações convencionais. É um RPG? Adventure? Ação? Eu diria Adveture, mas apenas uma palavra é fazer pouco do jogo.

Infelizmente, muitos não encararão a aventura por falta de tempo, já que é necessária uma dedicação acima da média, embora Outcast não seja propriamente difícil. Recomendo que você, amigo retrogamer, se não jogou, ao menos dê uma espiada. Sempre lembrando que o GOG disponibiliza Outcast por meros $5.99.

Chegaram a começar o desenvolvimento de uma continuação, teoricamente para Playstation2, porém a falta de sucesso do primeiro título condenou o segundo. Uma pena.

Outcast (1999 – PC)
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