“Para quem quer fazer exercícios de reflexão”

Olá crianças!

Não sei se isso já foi comentado por mim no decorrer dos posts, mas não gosto muito da ideia de tratar games como arte a priori. Tenho ainda mais reservas a tal equiparação quando é usada numa forma eufemística sutil, feita para justificar a importância dos videogames.

Contudo, embora esbarre neste tema, vou deixá-lo um pouco à margem para uma coluna posterior. Basta que saibam que sou um pouco avesso ao uso do termo “arte” empregado restritivamente ao que foi outrora chamado de “belas artes”.

Parte desta reflexão surgiu de minhas leituras de Gadamer e Kierkegaard, mas também de um documentário sobre arquitetura que passou no History Channel há tempos atrás. Neste programa, que falava de arquitetura renascentista, o apresentador disse algo mais ou menos assim a certa altura: “a época em que o artífice se tornou artista”.

Um dos trabalhos de Brunelleschi, famoso arquiteto renascentista.

Para entender isso, é preciso saber que não havia “arquitetos” antes deste período. Havia algo como pedreiros-chefe que não só projetavam as edificações como cuidavam para que tudo desse certo. Analogamente, era incomum que pintores e escultores assinassem suas obras: a importância autoral era praticamente nula. E não era algo restrito a círculos sagrados como se pode imaginar (numa espécie de impessoalidade em reverência a divindades), mas também profanos.

Nestas circunstâncias, um pedreiro pré-renascentista podia ser considerado tão “artista” quanto Homero e Michelangelo. Apenas seus tijolos, ferramentas e obras resultantes seriam diferentes. Embora seja muito mais comum que os chamemos, hoje, de artífices o que, em última instância, é a mesma coisa que artistas.

Igreja escavada em rocha na Capadócia (pensei em colocar algo diferente de Petra, só para variar um pouco).

Mas o que isso tudo tem a ver com games? Em um livro chamado “The Ultimate Guide to Video Game Writing and Design”, seus autores pontuam que criar um game não é uma arte (no sentido de que requer inspiração súbita e uma necessidade inexplicável de expressão), mas um ofício. Para eles, um game designer (e todos os envolvidos no processo) não é um artista: é um artífice. A diferença? O artífice é um trabalhador: pode fazer o que gosta e vender o que gosta, mas muitas vezes atende pedidos de outras pessoas. Por exemplo, marceneiros alemães criavam, no século XIX, brinquedos de madeira por serem capazes neste ofício e não porque todos, sem exceção quisessem “alegrar as crianças”.

Contudo, peço que me permitam um novo desvio antes de retomarmos a discussão específica sobre games.

Esta noção de arte como “expressão” tem relação íntima com a ideia de um “gênio criador” (gênio que, aliás, deriva da palavra que originou nosso vocábulo “engenheiro”, cunhado na época do Renascimento). Essa ideia de um “ser privilegiado” começou na Renascença, mas adquiriu pleno vigor na época áurea do Romantismo e a sua supervalorização da subjetividade e a dificuldade, ou impossibilidade de expressá-la por amarras sociais ou de tradição (um certo desdobramento do Aufklärung alemão poderíamos dizer). Esta forma de pensar está tão enraizada em nossas culturas atuais (principalmente pelo pretenso objetivismo científico), que geralmente nem dão bola aos poucos filósofos que tentam recuperar o genuíno sentido do termo latino ars e dos gregos poiesis e techné numa tentativa de ressignificar essa primazia do sujeito com relação à arte.

Um fenômeno que foi notado como “alienação” por alguns filósofos do século XIX têm certa reverberação na arte. Com a invenção da arquitetura (e a divisão do “artista” e os “artífices” que trabalham para ele), o nome principal ficou sendo o do idealizador, quem fez o “esboço”, quem fez a “planta baixa” etc. Aqueles que serraram as pedras, que encaixaram cada uma delas, que subiram torres e que elaboraram ferramentas para segurar uma abóbada até que estivesse completa não podiam ser considerados artistas: não eram “gênios”; somente trabalhavam para um. Talvez numa espécie de reação a isto que tenha surgido tanta arte diferente durante o século XX como Duchamp que advoga arte em praticamente tudo (até em urinóis); seria aquilo que se chama “arte moderna” uma reação à supervalorização do gênio? Acho que poucos artistas do período seriam chamados de “ingênuos”; até porque pareciam ainda valorizar demasiadamente a “expressão” de alguma coisa (seja um sentimento, um posicionamento político ou o que quer que seja) – intenção que o artífice pode até ter, mas que não encara como essencial, surgindo em sua obra como acidente.

Uma das obras mais famosas de Duchamp. Não deve ser novidade a nenhum homem. 😛

Gadamer, por exemplo, para tentar minar isto que chamou de “subjetivação da estética” partiu do conceito de jogo para compreender o modo de ser da arte e modificar a ideia comum de que as belas artes seriam as artes de um gênio (como dizia Kant); gênio no sentido de um “superdotado” (ou, se preferirem um termo politicamente correto, “pessoas com altas habilidades”) que faria algo que “meros mortais” não fariam. Com a ideia de jogo, isso tudo cai por terra: nem o jogador e nem o idealizador do jogo têm primazia. É o jogo (ou a obra de arte) que é essencial e que envolve as pessoas nele: o jogo é o sujeito do jogo.

É comum que tenhamos certa ânsia em definir um autor para aquilo que nos envolve. Sejam games, filmes, músicas ou qualquer outra coisa. Mas a verdade é que, se nos envolvemos de verdade com este algo que tem por objetivo nos envolver, isso nem importa tanto: é o jogo que nos é oferecido que importa. Se Kurosawa ou Kojima foram diretores, isso até pode nos influenciar no pre-ludere (aquele momento anterior ao salto que nos põe em jogo), mas uma vez em jogo (in-ludere), seus nomes não nos dizem nada (ou, pelo menos, deveriam não dizer nada).

Cena do obscuro filme Trillertrine que eu assisti na Rede Cultura (ou TVE para alguns de vocês) quando era criança). Também conhecido por “Procurando Mozart”.

Assim como muitos se admiraram do teto da Capela Sistina sem sequer saber o nome de seu artífice, nós também o fazemos ainda hoje com games. Não por serem ambos “belas artes”, mas por serem resultados de ofícios. O trabalhador deve ser honrado em seu esforço e suor e, em sinal de respeito, devemos esquecê-lo quando entramos naquilo que nos ofereceu. Ou de que outra forma entraríamos nos mundos de escritores pouco lidos, games pouco vendidos, ou filmes que parecem ter saído unicamente em um país pequeno do Leste Europeu?

É isso por hoje. Até o próximo post!

Academia Gamer: Artífice ou Artista?
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13 ideias sobre “Academia Gamer: Artífice ou Artista?

  • 15/02/2011 em 11:35 am
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    Excelente análise sobre artes e games.

    Isso de certa forma me faz lembrar do esforço por parte da mídia e consequentemente da sociedade de querer impôr que a leitura de livros por si só é algo culto, ou edificante, independente da qualidade dele.

    Não basta ler livros. Tem que ler os livros certos.

    Voltando ao assunto, quem insiste que games são arte não percebe que os joga apenas pelo entretenimento, e não para captar/apreciar a visão do “artista”.

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  • 15/02/2011 em 9:09 pm
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    Em uma parte do filme “Nascido Para Matar”, de Stanley Kubrick, o sgt. Hartman fala (grita) para um dos recrutas: “Você é tão feio que parece uma obra de arte moderna!”. Hehehe.

    Não sei bem como conceituar arte, nem sei dizer o que é e o que não é arte. Acho que nem me importo muito com isso. Mas usando da promiscuidade me que a palavra “arte” é usada hoje em dia, poderia muito bem dizer que jogar é uma forma de expressão também. Quem joga a obra de outrem também poderia ser considerado artista, pois complementa com seu toque pessoal o jogo/desafio/experiência proposta. Talvez seja apenas um devaneio.

    Quero dizer, um quadro é pintado para ser visto, a música para ser ouvida, livro para ser lido e jogos para serem jogados. Se conceitualmente é ou não arte não vai modificar a experiência única que é se dedicar a uma dessas atividades.

    No mais, outro belo post para nos fazer pensar. Parabéns!

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  • 16/02/2011 em 11:49 am
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    Você está basicamente argumentando a favor da “morte do autor” para games?

    Com relação ao urinol de Duchamp, a coisa é mais complicada do que dizer “o urinol é uma obra de arte”. Faz parte das obras de arte que, em si, questionam a natureza do que é considerado obra de arte e dos conceitos de arte da sociedade. Não foi a primeira nem é a única a fazer isso, mas é a mais famosa. O que torna o urinol “arte” é menos a natureza do objeto em si do que o fato de ter sido colocado em uma galeria, por um “artista”. Essa é a crítica.

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  • 17/02/2011 em 11:42 am
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    @Fernando Lorenzon
    Legal isso que falou; até acrescentaria que muitos dos “livros certos” que a mídia joga como supostamente clássicos são alguns dos mais desprezíveis. hehehe Mas é aquela coisa, temos que ler um livro ruim como se fosse bom para que, ao final dele, possamos realmente saber se ele era bom ou ruim. Tive gratas surpresas fazendo isso.

    Eu vejo uma diferença bem clara entre jogos e arte. E passa por isso que falou. Se pudéssemos repsonder “sim” às perguntas “Seria um jogo de Banco Imobiliário arte”, ou “Seria um jogo de curling arte”, aí sim eu diria com certeza que games são arte. Mas não diria isso. hehe A não ser como exagero ou metáfora.

    @Onyas
    Sem dúvida que “fazemos nossa parte” jogando alguma coisa. No processo, nós nos exprimimos sim. Mas a questão é se a arte seria somente pura expressão do artista (ou do gênio). O que acho que não é bem o caso.

    E concordo plenamente: um quadro é feito para ser visto, um livro para ser lido etc. O artífice (ou artista) faz sua obra como se fosse uma porta para que o espectador a atravesse e habite um outro mundo. E isso muda tudo; se o artista/artífice quer criar algo para alguém, ele não pode querer simplesmente “se exprimir” porque, se pensasse na pura expressão de si mesmo através da sua obra, seria muito mais egoísta do que doador de algo para outras pessoas.

    @Tandrilion, o Matusalém
    huahuahuahua Ri muito agora! hehehe

    Só deve ser obra de arte se estiver limpo; o que é bem raro. hehehe

    @tautologico
    Não diria isso. Mas eu realmente acho que para aproveitarmos algo genuinamente, o nome de quem fez não deve ser relevante e nem devemos colocar determinadas pessoas em pedestais como “gênios” e superiores ao restante da humanidade. Como bem disse Chesterton certa vez, a maioria da humanidade é poeta e contadora de histórias e não uma minoria de privilegiados.

    Temos que respeitar os autores e honrá-los pelo que fizeram, mas sem pensar que são super-homens. É mais um respeito a todo autor que a destruição de todos eles. Senão caímos em heirarquias do tipo fulano é melhor que sicrano que é um pouco melhor que beltrano etc.

    Yep. Explicou bem a idéia de Duchamp. Não sou profundo conhecedor das artes plásticas de modo geral (prefiro música e literatura), mas ficou bem claro o que disse. Se realmente foi uma crítica ao estado da arte do período, se encaixa bem no que pretendi ao usá-lo como exemplo.

    hehe Acho que o maior problema dessa descontrução comum no século XX (inspirado por alguns pensadores famosos como Derrida) é que não se constrói nada depois: temos que viver com os escombros do que foi abolido. E há quase um prazer mórbido em destrinchar tudo em suas partículas. Se destruímos o Templo de Herodes, é preciso colocar algo como o Domo da Rocha sobre ele e não jogar sal na terra para que nada mais cresça.

    Pelo menos é essa a impressão que tenho; mas posso estar enganado já que não leio autores da descontrução há um bom tempo já.

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  • 17/02/2011 em 2:43 pm
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    Se aquilo que é feito com o intuito de lucrar não é arte, boa parte, senão tudo que conhecemos por essa qualificação o deixa de ser. Lembremos que arte é uma expressão cultural que toca a nossa “alma”, nos perturba, nos faz questionar. É nela que o artista expressa seus sentimentos momentâneos, suas concepções, suas ideias e ideais. Eu particularmente acho que isso está presente nos jogos. As vezes os jogos não tem UM artista, mas a equipe de desenvolvimento se completa e complemente de forma a torna-se praticamente uma entidade, sendo assim o artista. Assim como há filmes, músicas, livros e peças que não podem ser considerados arte, assim ocorre com os jogos. Da mesma forma há aqueles que são incontestavelmente a mais pura arte.

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  • 19/02/2011 em 3:52 am
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    Semântica – e um bocado de pensamento politicamente correto. Se não quiser usar arte, usaremos “bom” jogo, jogo “que inspirou outros jogos”, jogo “revoluncionário”, jogo “inovador”, jogo “clássico” etc. Troque “jogo” por “obra”, “quadrinho”, “música”, “filme”, “livro” etc, que você terá o mesmo resultado.

    “Arte” é um termo mutável, não um pedestal fixo. É subjetivo por natureza. Entretanto, é este o termo que define as qualidades visadas dentro de um plano expecífico – basicamente aquilo que faz de Superman 64 e E.T. lixos intragáveis e de Zelda e Metroid uns tremendões. Fale “qualidade” e não saberei diferenciá-lo de quem levanta a labela de “arte”.

    Sou contrário à glamourização do autor. Entretanto, a obra não existe sem autor e expectador. Toda obra não passa de um meio de comunicação entre o autor e o espectador – a obra não possui significado por sí mesma. Toda obra é um meio, não um objeto estático.

    Se um livro, um filme, um quadrinho, uma música, uma obra plástica ou seja lá o que pode ser “arte”, um jogo também pode. Se um jogo não pode ser “arte”, nada pode. Não há absolutamente nada que os diferencie neste aspecto – todos são formas de entreter, expressar, sentir, inspirar e comunicar. Além disso, “arte” não é algo contido em um formato, mas sim em qualidade – qualidade esta que transcende o mero gosto pessoal.

    Tratar jogo como um mero ofício é um desserviço enorme ao meio. Não precisamos de jogos para sobreviver. Jogos são formas ridículamente complicadas de “entretenimento” que exigem uma grande gama de conhecimentos préveis para serem utilizados – e ainda mais para serem produzidos. São muito mais que mera sobrevivência. Existem além do simples ato de viver. Jogos podem ser algo mais: podem ser “arte” – se tiverem qualidade suficiente para se destacarem de trabalhos pobres e cópias.

    PS: Flint Dille and John Zuur Platten obviamente não levaram em conta o pessoal que faz games simplesmente pelo fato de gostar de fazer games, como na cultura Indie. Sem falar que muita coisa na área comercial é simplesmente foda e se encontra num patamar completamente diferente de outros tantos lixos lançados todos os anos.

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  • 19/02/2011 em 10:42 pm
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    Não gosto muito da ideia de “gênios”. Claro que existiram pessoas excepcionais como Bach, Mozart, Beethoven (sempre puxando pra música, que é minha área =P). Mas mesmo eles com certeza se dedicaram muito para chegar onde chegaram. Quando se refere à arte, as pessoas têm uma mania péssima de achar que você precisa ser genial desde o começo, que você tem que nascer com um “dom”. Dom é outra palavra de que eu não gosto. Eu não tenho dom, eu tenho horas de estudo. Quando falam que eu tenho um dom é como se menosprezassem todo o meu esforço.

    Voltando aos games, acho que a autoria não deve influenciar na experiência do jogo, de fato. Nem devemos colocar alguns criadores em pedestais. Não é só porque um jogo foi feito pelo Miyamoto que ele vai ser fantástico. Mas é legal reconhecer quem fez, reconhecer o character design, as músicas…

    PS: Fiquei confusa. Os compositores antigos, como Mozart, seriam artistas ou artífices? Afinal, eles trabalhavam para os nobres…

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  • 20/02/2011 em 3:18 pm
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    Talvez o autor do livro não saiba que antigamente haviam jogos de PC feitos por uma só pessoa, que criavam não só games mas todo um universo, iconizado pelos games, como por exemplo a série Ultima ou Wing Commander. Desenvolvimento este parecido com os games indies da atualidade, guardadas as devidas proporções:

    Cito aqui como exemplo o game Passage: http://passagemsecreta.wordpress.com/artigos/passage/

    Não concordo com o conceito de que se há uma equipe responsável por um trabalho, este não pode ser considerado arte. Isso seria diluir a genialidade de Shigero Miyamoto, só pra citar um exemplo, no trabalho metódico da equipe de criação dos seus games. O que acontece, de fato, é que estes trabalhadores comuns são apenas um meio de realização da mente e vontade de Miyamoto.

    A tecnologia humana evoluiu , digamos… consideravelmente desde a alguns séculos, e o conceito de arte tem que se adaptar às mudanças tecnológicas. Senão ele sempre estará atrelado a tecnologias humanas consideradas antigas, como pintura e arquitetura.

    Acho que o conceito de arte foi tão violentado ultimamente que sinceramente, se não fosse a necessidade deste reconhecimento por nosso Governo para fins de mercado justo a nós, consumidores, eu nem estaria preocupado com isto. Ora bolas, se, na atual interpretação de arte, um filme é arte, videogame também o é.

    Lógico que, com o principal fim de fazer dinheiro tanto na telona quanto na telinha, são poucos os games e filmes que realmente mereçam ganhar o status “Obra de Arte”. Mas isso não impede de que os games, potencialmente falando, sejam reconhecidos como arte.

    Minha opinião.

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  • 23/02/2011 em 12:11 pm
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    Que legal ver que esse assunto ainda está rendendo comentários! Deculpem-me, de novo, pela demora em responder…

    @Leandro
    Aí eu já não sei. Eles não falam de game como arte no livro todo, mas pode ser que digam isso em alguma outra coisa que tenham escrito. E, para ser sincero, achei muito melhor assim. Tem gente que fala que game é arte só para dar um ar de “superioridade” a eles em relação a outros jogos desnecessariamente e sem pensar direito.

    @victor2347
    Eu não acho que o que é feito para se ganhar dinheiro não possa ser arte. O que tem de artista que só pinta, compõe etc. para ganhar dinheiro não é brincadeira. hehe

    E concordo que o mais adequado talvez fosse considerar a equipe toda como formada por artistas. Mas não acho que existam filmes e músicas que não possam ser coniderados arte. Podem ser algo ruim e mal feito, mas ainda assim é arte. Tanto que a designação “filmes de arte” para um gênero geralmente enfadonho de película é um pouco enganosa às vezes. Não é a boa execução que define algo como sendo arte ou não.

    @Versiani
    Não acho que seja simplesmente uma questão de trocar de termo somente porque esbarramos em alguma dificuldade. As palavras mudam de sentido com o passar dos anos, mas algo essencial nelas ainda permanece, principalmente nas metáforas. A escolha das palavras quando falamos de algo não é arbitrário; elas nunca mudarão tanto de sentido a ponto de significarem seu oposto (exceto em um chiste, ou piada). Se queremos dizer algo, uma palavra vem à nossa mente com o sentido daquilo que queremos dizer. Por exemplo, não acho que arte tenha a ver com qualdiade; tem muita arte ruim que não deixa de ser arte por isso. Arte não é sinônimo de belo, embora seja isso que os artistas genuínos busquem.

    Também sou contra idolatrar autores, embora não negue jamais sua importância. Afinal, o trabalho que fazem é realizado para o espectador/jogador e não para eles mesmos. Sua aproximação de jogo e arte é pertinente porque, para alguns autores (penso em Gadamer agora), arte só é o que é por ser jogo.

    Quando falei de ofício, não pensava em criar coisas úteis para a população, que poderiam ser usadas para alguma outra atividade. Penso em ofício em sentido mais amplo. Por exemplo, brinquedos de madeira medievais; seriam obra de um ofício (um carpinteiro, provavelmente), mas inúteis do ponto de vista prático (como uma pintura é, para ficarmos em um só exemplo). Notem que uso “inútil” no sentido mais pragmático da expressão. Por isso, não acho que seja um esserviço; pelo contrário: mostra que o trabalho de designer de games acontece muito mais pelo suor derramado do que pela “inspiração” que vem de repente e, num passe de mágica, se transforma em um jogo. E não é assim compor uma música, escrever um poema e pintar um quadro?

    Você é da área da comunicação? Senti um pouco isso lendo seu comentário (pelos termos e argumentação). Apesar de lr bastante coisa nessa área (que é o que abraça os games com mais afinco aqui no Brasil), não sou especialista nisto. Talvez troquemos ainda mais figurinhas em posts seguintes!

    @Patty K
    Concordo plenamente. O pessoal pensa que o artista não sua nem um pouco para fazer o que faz. Cansei de escrever e reescrever páginas e parágrafos de textos meus. Não é algo que “simplesmente surge”.

    Quanto a compositores mais antigos, acho que viviam em uma época em que a solidifcação do termo arte para as belas artes (música, pintura etc.) ainda estava contecendo. Por isso, creio que ao usar “artista”, ele ainda abarca ambas as coisas (a idéia subjetivizante do gênio inspirado e a do trabalho árduo). Não me preocuparia com essas nuances se fosse você; como tem clareza do artista como não sendo um “gênio superior”, vai saber que ao falar em “artista” pensa no esforço do artífice; e é isso que quis trazer de certa forma aqui.

    @mcs
    O argumento dos autores do livro não é que pelo fato de o jogo ser desenvolvido por uma equipe que deixa de ser arte. Na verdade, eles fazem essa troca só para indicar que não é algo de “pura inspiração”. Os designers individuais se esforçam muito para fazer o que fazem e disso não tenho qualquer dúvida.

    Quando fala de genialidade do Miyamoto e os “trabalhadores comuns”, me lembrei de que estudando sobre estas questões notei que a idéia de alienação é muito mais forte no âmbito da arte do que na idéia de “trabalho” mesmo. Explico. Na arte atual, consideramos um gênio e outros que “fazem o trabalho”. Por exemplo, um cara que faz o esboço de um estátua e outros que fazem a dita cuja; um cara que desenha um prédio e os pedreiros que o fazem etc. Isso é uma falta de respeito com os outros trabalhadores que seriam meras ferramentas na mão de um “gênio superior”. No teatro, essa divisão é um tanto notável: Shakespeare por ser um excelente escritor, mas se seus “trabalhadores braçais” não dessem seu próprio sangue (e se tornassem artistas), não veríamos nunca a grandeza de um Romeu e Julieta.

    Por isso, acho que o ruim mesmo é achar que alguém é um gênio. Pode ser um excelente designer, um excelente artista visual, um excelente músico, mas não é “super humano”. Buscar conhecer seu trabalho é algo bom, mas devemos esquecer de seus nomes ao “utilizarmos” suas obras. A idéia de gênio que é nociva nesse rolo todo.

    Outra coisa é que, ao pensarmos em um jogo qualquer como gamão, futebol ou qualquer outro, não temos a menor idéia de um “gênio” que os teria inventado. E não é porque “são muito antigos”. Tem livros de antes de Cristo cujos autores conhecemos (e outros de poucos séculos atrás que têm autoria anônima). Essa importância dada ao autor é muito moderna e oriunda justamente do Renascimento e do Romantismo; e isso refletiu nos jogos e games nascidos no século XX. Assim como quando jogo D&D não lembro sequer o nome dos caras que criaram o primeiro RPG do mundo (o “de mesa” como chamamos pelo menos), acho que devemos fazer o mesmo ao jogarmos um game. Ou sabem o nome do criador do Banco Imobiliário? Ou ele seria “menos gênio” que o Miyamoto?

    Então a arte tem que se adaptar aos recursos disponíveis que tem para fluir? Hoje existe a pintura digital que, embora seja diferente da feita com tintas a óleo (ou outros tipos), ainda é pintura. A mesma coisa com a música feita sem instrumentos “reais”.

    Enfim, essa relação entre game e arte é um terreno complicadíssimo. Tem muito a ser pensado, pesquisado e descoberto. Um autor de 1982 já dizia que “no futuro games poderão ser considerados como arte”. Por quê não naquela época? Só o avanço técnico poe fazer algo que não é arte se converter em arte? Não acho que seja por aí. Tem muito chão ainda a ser percorrido nestas reflexões. E espero que todos que me acompanham continuem me ajudando.

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