“Para quem quer fazer exercícios de reflexão”

Olá crianças!

Hoje eu quero agradecer a paciência de vocês com esse longo processo compreensivo com a canção Funeral Procession de Wild Arms. Será o último post sobre isso e espero que aguentem até o final. Como fizemos no artigo anterior, gostaria de iniciar retomando a música antes de partirmos para o que quero trazer a seguir.

Apenas para retomarmos alguns pontos, ao ouvirmos a música e permitirmos que ela nos envolva, experimentamos todo o luto e dor que sua ambientação exige. E, em nossa atitude sincera diante dela, somos levados a reconhecer a solenidade da morte do outro que, por sua vez, nos leva a perceber que nós próprios somos finitos e que faleceremos um dia também. O poema que coloco logo abaixo fala exatamente disso. Talvez tenham lido durante o Ensino Médio já que é de um poeta simbolista famoso (e um dos meus poetas favoritos): Augusto dos Anjos.

Psicologia de um vencido

Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância…
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme – este operário das ruínas –
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!

Esse poema demonstra justamente nossa impotência diante da morte que descobrimos quando reconhecemos a finitude como algo inerente a nossa própria existência. E isso nos motiva profunda angústia: tendo um limite para viver, temos a liberdade de escolher o que faremos com esse tempo. Mas isso passa muito longe da ideia que podemos ter de pura tristeza e melancolia: assumir essa nossa condição pode possibilitar outra coisa igualmente essencial a nossa condição de seres humanos. Mas antes de chegarmos nesse ponto, quero passar uma outra música que serve como um interlúdio interessante entre esses dois estados de diferentes formas de solenidades.

Essa parte das Quatro Estações de Vivaldi é interessante porque traduz e mescla tanto a dor aqueles que continuam vivos (onipresente em Funeral Procession) como algo ligeiramente diferente: a escolha pelo risco que é existir. Não basta simplesmente que reconheçamos nossa finitude: precisamos em angústia assumir a responsabilidade pela nossa própria existência. E o Inverno de Vivaldi exprime um pouco disso também. Passamos a perceber não somente a grandiosidade da morte sobre nossa própria existência, mas também que somente através dela que nossa vida pode possuir algum sentido.

Isso significa que Funeral Procession e toda a ambientação que ele nos fornece não nos paralisa simplesmente como alguém acuado e com medo: ela nos convida a agir e a sermos responsáveis por nós mesmos e por nossas vidas. Essencialmente, essa música de Wild Arms, quando levada a sério (no sentido de seriedade que falamos aqui na Academia, claro), nos convida a entrarmos na aventura de nossa existência. Ou seja, entramos nesse “jogo da vida” tal qual ele nos aparece reconhecendo nossa infinita responsabilidade e liberdade.

Após termos ouvido a música, saímos dela com esse “saber” que não é puramente cognitivo, mas que toca profundamente em nossa própria existência. Não é simplesmente racional. E esse saber nos diz que a vida é como um vapor que se esvai, que a angústia não cessa e que sempre precisamos escolher o que fazer e, claro, o que vamos ser.

Ou seja, através dessa experiência com Funeral Procession, podemos escolher a “selvageria” do mundo, seu absurdo, suas contradições e continuar existindo. Podemos, finalmente, entrar de cabeça nesse “mundo selvagem”. E uma outra música que fecha muito bem esse círculo compreensivo em torno dessa faixa emblemática de Wild Arms é uma outra do mesmo jogo. Que passo aqui juntamente com o vídeo em que aparece porque demonstra exatamente isso.

Talvez fosse interessante finalizar dizendo que, na realidade, a canção que origina toda a aventura de Wild Arms é justamente Funeral Procession. O jogo só começa de verdade ali, a aventura tem seu início porque a música (e a situação toda) exige isso dos personagens principais além de exigir o mesmo de nós. A diferença é que a ousadia que podemos (e devemos) exercer dentro do jogo pode ser extrapolada também para fora dele. E sequer é exigido que o game seja jogado para isso. Como falei no primeiro artigo, já conhecia a música anteriormente e ela já me passava a mesma sensação que vê-la executada no jogo me fez sentir.

É isso que queria trazer nesta semana e também nas duas anteriores. Até o próximo post!

Academia Gamer: Compreendendo uma música [parte 03] [final]

5 ideias sobre “Academia Gamer: Compreendendo uma música [parte 03] [final]

  • 22/11/2011 em 6:06 pm
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    eu ainda vou arrumar tempo para jogar Wild Arms, até eu conseguir zerar Silent Hill 1 que o meu irmão menor está me obrigando a jogar. tenho que me conter…

    agora sobre o seu pensamento…

    em Langrisser 3, Dyhalto,o heroí do game enfrenta um ataque ao reino voador…não sei o nome do reino… e o rei do lugar e a sua filha Tialiss lutam ao seu lado. e isso na primeira batalha do game, só que infelizmente, Dyhalto ainda inexperiente em batalhas não consegue impedir a morte do rei.

    como já falei em um post passado mencionando Langrisser, quando vi o Reino onde Dyhalto cresceu e foi promovido sendo destruido sem poder fazer nada e a Tialiss chorando a morte do pai. senti uma raiva ou uma sensação parecida, a partir da-li o game iria começar, numa trilha de vingança que prometi vingar a morte do rei pelas lagrimas da Tialiss que me comoveram e a musica cantando esse triste momento era…épica mas ao mesmo tempo, me fez me sentir um miserável por não ter tido forças. que era a tristeza daquela jovem era a regente da musica tocada. a vida de um soberano que parecia ser valoroso costuma se esvair fácil naquela época.

    me pergunto enquanto ouço esse Vivaldi, a morte seria o descanso ou o inicio de uma outra Jornada que ainda não foi documentada por nenhum mortal? e nós que estamos vivos, o que realmente achamos disso? teria a fé algo a ver com o medo de morrer e ir para o céu ou inferno?

    nem mesmo Jesus quando “ressuscitou” deixou meio vago essa história de outra vida(pelo menos, eu não entendi bem.) só saberei se eu morrer e ouvir a sinfonia da morte…o silêncio que já tive o desprazer de ouvir.

    Hee-Hoo, Mestre Senil.

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  • 22/11/2011 em 7:59 pm
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    é mestre senill…fiquei meio tonto com suas palavras filósoficas!!!!acredito que ficamos entre dois mundos quando estamos próximos da morte…nessa hora acredito que a vida toda passa em sua mente e mostra o quanto jogo vc poderá perder na vida ou que ainda falta zerar alguns jogos retro da vida…ainda não zerei the imortal do mega e street of rage do master system….mas sinceramente quase não opino sobre seu texto gótico escaldante no meu navegador…sinceramente jogar video game,,sentir a atmosfera que paira sobre o jogo e mesclar tudo de bom na tela com o bonequinho ou a navinha…realmente me faz esquecer um pouco da vida,,,viver está cada vez mais dificil e video game me traz um pouco de paz ,,,procuro nã pensar em coisas ruins e nas boas está muito dificil concretizá-las. jogar video game é uma vida, uma terapia!!!!o importante é jogar!!!!!penso, logo jogo!!!!falou!!!

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  • 23/11/2011 em 11:42 am
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    Hum… não vejo o Inverno de Vivaldi dessa maneira. Eu acho que ele quis mostrar apenas a sua interpretação da estação, algo frio, cortante, tenso como um bater de queixos, muitas vezes desconfortável. Mas é claro que isso dá margem para inúmeras interpretações, e a melancolia do inverno pode sim lembrar a perda, a finitude, a saudade, a solidão…

    Acredito que os jogos tentam simular a vida, apesar de servirem como uma “fuga” da mesma. Então da mesma forma que o mundo “real”, muitas vezes encaramos situações desagradáveis, de perda, ou de tristeza jogando. Porém, ali, no mundo particular, isso serve como estímulo para continuar. Cumprir uma missão ou vingar a morte de um ente querido, como em Phantasy Star. Ou simplesmente terminar o que começamos como em Final Fantasy VII.

    Isso serve como um exemplo na vida também. A melhor forma de respeitarmos aqueles que se foram é continuar vivendo da melhor forma possível. Afinal, a vida deve ser valorizada, como um grande jogo, uma brincadeira que, como qualquer outra, um dia vai ter um fim.

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  • 28/11/2011 em 1:56 am
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    Desculpem a demora em responder! Semana corridíssima no trabalho…

    Enfim, agora arrumei um tempinho e espero responder a todos com o respeito que merecem!

    @leandro(leon belmont)alves
    hehehe Espero não ter danificado permanentemente seus neurônios!

    Pois jogue Wild Arms sim. Jogão!

    A música do Vivaldi é interessante porque ela se refere a um ciclo: depois do inverno volta a primavera e tudo se reinicia. A dor e a perda podem ser muito mais um início do que um término. Como é também em Wild Arms e foi isso que tentei mostrar que a música revela: não só tristeza e pesar puros, mas sim o motivo para a aventura, para uma jornada. E essa experiência em nosso “mundo real” pode ter o mesmo sentido também e não somente uma simples e pura depressão, mas um choque que nos faz caminhar adiante.

    Não sei se entendi direito sua referência a Jesus, mas vou tentar comentar o que compreendi. No caso dessa história, de fato a ressurreição mostra que a morte pode não ser um fim absoluto, mas o fim de uma vida para uma outra ou para a “segunda morte”. Um silêncio solene que nos leva à música altissonante: isso é o que o cristianismo afirma. A morte de uma outra pessoa que nos é próxima pode nos fazer dar um “reset” em nossas próprias vidas se não ficarmos focados simplesmente na tristeza, mas olharmos para a outra coisa que ela nos aponta.

    @helisonbsb
    hehe Desculpe cara! Não foi minha intenção!

    Se vencer Immortal me avise. Joguinho difícil esse. hehehehe

    Caramba, texto gótico? hehehehe Nem tinha pensado nisso! Acha mesmo? E eu concordo com você. Jogo é realmente “vida”, ele tem movimento sempre constante. E, como a vida mesmo, tem momentos bons e ruins. Felizes e tristes. O importante é justamente que esses momentos mais tristes nos impulsionam à aventura. Tanto na vida real como no jogo. Nos jogos sentimos paz porque conseguimos ver o sentido da tristeza e, no real, às vezes não notamos o que ela pode significar. O sentido que damos à vida só é perceptível porque consideramos sua efemeridade e o fato de que ela acabará um dia. No caso de um jogo, sabemos que ele é finito e que terminará. Mas também nos alegramos porque sabemos que poderemos voltar a ele e começar tudo de novo.

    @Onyas
    De fato. Inverno tem muito mais a ver com uma descrição climática, mas nós, seres humanos, também temos nossas próprias “atmosferas” por assim dizer. Quando penso nas Quatro Estações, penso em quatro etapas da vida humana: infância e adolescência (Primavera), idade adulta jovem (Verão), meia-idade (outono) e velhice (inverno). E acabamos relacionando algumas coisas com cada uma delas: até porque experimentamos coisas de todas as épocas em todas as épocas. Vivacidade, preocupações, desejos e solidão perpassam nossas vidas por completo.

    E o bacana do Inverno é que ele promete um ciclo: depois dele, vem a primavera, o reinício da aventura (que é como eu fecho a discussão com vocês trazendo a música de abertura de Wild Arms mesmo).

    Nem diria que os jogos tentam simular a vida, mas sim que possuem características mesmas da vida porque brotam dela: os jogos fazem parte de nossa vida e, por isso, têm elementos dela. Ainda que seja um espaço separado do “mundo das preocupações” é tão vivo quanto a nossa vida: apenas tem suas delimitações e tarefas específicas.

    Perfeita sua analogia. Considerar a vida como um jogo tem duas possibilidades. Ou caímos no erro de achar que é tudo uma “besteira infantil” e sairmos fazendo qualquer coisa, ou a levamos a sério. E o jogo só é o que é quando é levado a sério (como já falamos aqui diversas vezes).

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