“Para quem quer fazer exercícios de reflexão”

Olá crianças!

É engraçado como muitas vezes as coisas parecem apontar para um mesmo assunto. Em duas semanas, o assunto do post de hoje apareceu diante de mim de maneiras inusitadamente relacionadas. Primeiro, uma discussão (muito rica) na Lista de Algol e, em segundo, a leitura de um artigo em uma edição da revista Veja durante meu pequeno recesso do trabalho passado em São Paulo. 

O assuno em questão é justamente esse daí do título: a popular “vaquinha” que vem se tornando cada vez mais falada nos últimos tempos. E não, não é a “vaca louca” ou qualquer outra coisa relacionada ao animal de fato da imagem logo abaixo. Claro que pela crescente influência de expressões em inglês, falamos hoje em “crowdfunding”. Fenômeno esse que com certeza devem conhecer bem já que serviu (e serve) para financiar muitos projetos relacionados a videogames. E tais planos geralmente acabam saciando algumas de nossas velhas vontades. Séries antigas de videogame que retornam, consoles inovadores, CDs de bandas, filmes independentes que carecem de verba… Não há limite para o que se pode conseguir através dessa modalidade de angariamento de recursos.

O engraçado é que isso é algo trivial aqui no Brasil se pararmos para pensar. Ao visitarmos um amigo, podemos fazer uma vaquinha entre todos os presentes para pedir uma pizza, ou comprar alguns petiscos no mercado. Ou até mesmo, trazendo mais para o tema do blog, comprando um mesmo game ou console para ser compartilhado de alguma forma. Normalmente isso acontece sem segundas intenções: era simplesmente a aquisição de algo para ser compartilhado por todos.

Nessa modalidade mais recente, parece haver uma ligeira diferença. O primeiro e mais evidente (apontado com razão por um amigo da Lista de Algol) é que você não compra alguma coisa por crowdfunding: você investe em algo. Ou seja: não é a troca de dinheiro por um produto, mas uma espécie de “voto de confiança” de que tal projeto dará certo e que, por isso, desejo investir nele.

O prêmio (ou lucro) recebido de tal investimento pode acontecer das mais variadas formas dependendo, claro, do valor que você investiu. Esses dias, visitei o projeto da trupe que fez o filme The Gamers e você podia até mesmo aparecer nos créditos do filme como “produtor executivo” dependendo de quando dinheiro você empenhou nisso.

Como todo investimento, porém, há sempre um risco envolvido. Você pode não receber o produto idealizado, receber algo de qualidade duvidosa, ou ter vergonha de ter seu nome estampado na “galeria de apoiadores” de um projeto medíocre. É um tiro no escuro baseado em uma série de coisas, mas anda assim um risco.

Uma outra diferença interessante é que, como falei antes, a vaquinha podia ser usada para compartilhar algo ou para dar algo para alguma outra pessoa do grupo. Por exemplo, uma arrecadação para comprar um presente bacana a um conhecido é algo compartilhado tanto quanto dividirem os dois quilos de pão de queijo que compraram para alimentar um sábado inteiro de games. O prazer está na troca entre as pessoas.

Agora, esse moderno crowdfunding parece tocar mais profundamente em algumas características essenciais da modernidade. A saber: o individualismo e o egoísmo de que falamos sucintamente em outro post. Consoante, claro, com a ideia de “lucro” ou “prêmio” de acordo com seu investimento.

Você investe em um jogo porque há um desejo exclusivo seu de usufruir dele. Ao lerem a respeito de um plano para um console novo, vocês podem pensar: “Uau! Eu quero isso! Quanto preciso dar mesmo?” Não há aquela preocupação elementar com o outro como há em outras formas de arrecadação conjunta.

A própria palavra em inglês parece corroborar com isso. Ela é composta por “crowd” que significa multidão e, como sabemos, a ideia de massa é algo muito presente em nossa sociedade. Não apenas a ideia de que o número de pessoas é importante para se julgar a verdade a respeito das coisas, mas no sentido de que uma multidão é impessoal. Uma turba não tem pessoas: não há pessoa alguma nela, apenas uma homogeneidade estranha e confusa. O lugar perfeito para se esconder, satisfazer seus próprios desejos e não olhar para o outro ao seu lado.

Não apenas há a preocupação com a fruição individual do produto como também poderia até dizer (talvez sem erro) que muitos investem nesses projetos simplesmente pelo prazer egoísta de terem seu nome estampado no projeto. Ou seja, querer ter seu nome em uma lista de apoiadores sugere certo egoísmo que também segue a tendência reinante de nossa época. Nesse caso, o produto é o de menos: o reconhecimento pelo dinheiro investido é o que mais conta.

Uma outra pergunta que isso suscita é a respeito da enorme soma de dinheiro necessária hoje para fazer um game. Ouvimos de falências e rumores de falências de empresas que venderam, por exemplo, “apenas” seiscentas mil unidades de um jogo ao invés do um milhão que esperavam. Será que a técnica para se fazer um jogo realmente necessita trabalhar com somas grandes assim?

O que me faz pensar se em breve não teremos algo como uma “produção caseira de vinho”. E aqui há duas possibilidades: aquela que produz pouca quantidade, mas com preço mais em conta que a média; ou aquela que produz pouco e, justamente por isso, cobra ainda mais caro pela exclusividade e/ou marca.

A vaquinha de hoje em dia parece sugerir algo completamente diferente daquela que conhecemos em outros lugares: é muito mais um investimento/compra do que um empréstimo sem desejo de coisa alguma a não ser o compartilhamento. Por isso, acho que o fenômeno relacionado a videogames mais próximo da vaquinha tradicional é muito mais a troca de cartuchos entre amigos do que crowdfunding.

O que isso nos trará no futuro não sei (e nem quero arriscar), mas é importante salientar essas diferenças e definir o que é uma coisa e o que é outra. Além de, certamente, imaginar o que isso pode nos trazer mais adiante.

É isso que queria compartilhar hoje com vocês! Até o próximo post!

Academia Gamer: Vaquinha
Tags:                 

7 ideias sobre “Academia Gamer: Vaquinha

  • 31/07/2012 em 9:21 am
    Permalink

    acho que o dinheiro arrecadado, pode ser para pagar aqueles que trabalharam por aquele projeto, no caso dos games, devido ao excelente trabalho em SOR Remake que pode se baixar na net de graça, e o pessoal da Bomber Games não recebeu um centavo por isso. não sei quem foram, mas os caras já são deuses para mim.

    eu apoio esse movimento, pois já foi provado que uns poucos nerds que amam o que fazem é capaz de gerar games melhores que uma empresa com milhares de funcionários.

    “Como todo investimento, porém, há sempre um risco envolvido. Você pode não receber o produto idealizado, receber algo de qualidade duvidosa, ou ter vergonha de ter seu nome estampado na “galeria de apoiadores” de um projeto medíocre. É um tiro no escuro baseado em uma série de coisas, mas anda assim um risco.”

    no meu caso…acho que daria para contribuir e nem ligaria se o meu nome estivesse nos créditos ou não. se foi algo que você apoiou com o coração, beleza. mas eu não ia investir 5 mil ou 10 mil(como se eu pudesse -__-) é bom para ajudar, se você for rico. mas se não tem tanta grana assim, ajude com o que der.

    está certo que isso de “vaquinha” ainda é duvidoso, mas tenho certeza que empresas no futuro, verão essa escolha como uma alternativa segura…mas vão dizer: ah, é game indie, não vai lucrar muito. mas se continuar com o gênero atual de shooter e zumbis…um dia o povo enjoa, eu, há tempos.

    por que todo jogo retrô de hoje em dia é taxado disso? mas que…

    Hee-Hoo Mestre Senil!

      [Citar este comentário]  [Responder a este comentário]

  • 31/07/2012 em 12:17 pm
    Permalink

    Tenho uma grande e irracional esperança pelo Ouya. Veja em todo lugar vários jornalistas e críticos mostrando o quanto o Ouya será um fracasso. Apesar dos argumentos serem bons, eu quero que estejam errados.

    A idéia do crowdfunding é boa num período onde a grandes publishers ditam as regras e influenciam negativamente o desenvolvimento de games. Vejam quantos jogos modernos possuem multiplayers caros e inúteis.

      [Citar este comentário]  [Responder a este comentário]

  • 31/07/2012 em 12:53 pm
    Permalink

    É muito complicado juntar fundos para qualquer tipo de projeto, seja levantar um prédio ou fazer um game. Natural que haja esse tipo de saída.

    Tempos atrás estavam fazendo um simulador de corridas no mesmo estilo chamado C.A.R.S. Vi um vídeo e o jogo está ficando lindo, porém a jogabilidade está sendo muito criticada.

    É como comprar um apartamento na planta. A idéia é boa, mas não quer dizer que vai dar certo.

    Fazer jogos é muito caro e demorado. Por isso é priomordial ter um investimento a longo prazo. Um financiamento, ou então ter um investidor por trás. Foi o exemplo do jogo brasileiro Taikodom. O jogo demorou 4 anos para sair, nesse meio tempo a equipe teve ajuda da IBM e por isso puderam terminar o projeto.

    O meio mais comum de ter esse dinheiro é por meio do adiantamento de royalties pelas publishers. Mas é como um empréstimo, é preciso fazer acreditar que o negócio vai dar certo. Não basta mostrar boas intenções, tem que gerar resultado.

    É isso. Ótimo o assunto, Senil.

      [Citar este comentário]  [Responder a este comentário]

  • 31/07/2012 em 6:38 pm
    Permalink

    esse projeto do OUYA recebeu uma pá de grana hein, ô beleza. Procurei pouco por informação sobre ele mas o que imagino que o console irá oferecer é o mesmo que sistemas operacionais livres como vários tipos de apps que vem para android, acho legal essa ideia de qualquer um tentar criar o que quiser e publicar seu trabalho, estando baseado em aprovações dos usuários dá pra filtrar o que tem de melhor e não só isso mas o surgimento de um sistema livre que saia dessa ditadura gamer ultimamente imposta pelas gigantes do mercado dos games. Uma ‘vaquinha’ que ajude a criar um novo estilo de se fazer games ou fazer uma coceira nos gigantes, pra que eles se toquem e deixem essa preocupação com projetos gigantes que necessariamente ou dão certo e gerem milhões ou dão errado e levem a falha um estúdio(se não me engano os criadores do L.A.Noire todos foram pra rua).
    Buenas mestre Senil, era isso que tinha pra falar, mais do Ouya do que do tópico do assunto(acho que sou um mestre na fuga do tema, ahahahahaah, não sei como fiz uma redação no enem e tirei um 7/10, ahahahahah)

      [Citar este comentário]  [Responder a este comentário]

  • 31/07/2012 em 9:26 pm
    Permalink

    Bom Senil, excellente assunto caro. Me recordo das produções dos jogos indie para PC’s, consoles antigos como Mega Drive, NES, Neo Geo, entre outros, onde empresas pequenas fazem com ajuda de vaquinhas. Isso tá sendo a melhor forma de resposta a empresas que tascam jogos baseados em gráficos, deixando a jogabilidade de lado, enfiando porcarias no consumidor gamer, dizendo que não temos para onde correr, sinão pegar o jogo dela. E com essas empresas fazendo esses esquemas para criar jogos a gosto dos fãs, tá sendo a melhor opção na cena gamer atualmente. Excellente texto Senil, parabéns!!

      [Citar este comentário]  [Responder a este comentário]

  • 02/08/2012 em 7:58 pm
    Permalink

    Nunca parei pra pensar em fazer a associação entre crowdfunding e vaquinha, gostei bastante da sua linha de raciocínio, faz muito sentido. Mas penso também que são duas coisas diferentes, de propósitos totalmente diferentes. Até pelo ponto de vista de quem tá idealizando um projeto e está pedindo com a contribuição das pessoas. Um item/serviço qualquer (por exemplo a tal pizza) custará sempre o preço do catálogo, se fizeram vaquinha para adquirí-lo ou não acaba não importando pra quem está fazendo a venda. Já pra quem está em um projeto de crowdfunding, quanto mais, melhor! Acabam prometendo mais coisas se atingir determinada marca e etc. Eu até gosto da idéia, mas infelizmente já deve ter muito “aproveitador” por aí a utilizando para “se dar bem”, então isso me incomoda um pouco.
    Além disso, o lance de investimento de risco da pessoa que está “comprando” é outro ponto muito interessante que vc acabou lembrando bem.
    Espero que a idéia seja passageira, como muitas coisas que “entram na moda”. Que não seja algo em definitivo, se gerar impacto nos games, acredito que será negativo.
    E viva as trocas de games! 🙂

      [Citar este comentário]  [Responder a este comentário]

  • 03/08/2012 em 3:17 pm
    Permalink

    leandro(leon belmont)alves,

    Tem projetos que realmente merecem e clamam por uma remuneração, não é? Ou pelo menos um contrato da empresa do jogo em questão para lançarem oficialmente e direitos de parte dos lucros. Não só o Streets of Rage Remake, mas o Chrono Ressurection seria um que a Square só teria a ganhar se contratasse os caras envolvidos no projeto.

    O problema nesse caso é que se eles pedissem mesmo por dinheiro, a chance de dar problema é ainda maior (estão ganhando em cima de algo que não é deles). Mas que muitas vezes fazem coisas melhores que as empresas, isso é fato. hehehehe

    Eu acho que a indústria de games tem caminhado para alguma mudança. Não sei precisar qual seria (e nem me arrisco a chutar), mas isso deve acontecer mais cedo ou mais tarde. Ou ao menos será colocada em pauta.

    Fernando Lorenzon,

    Eu nem sei muito o que pensar desse projeto na verdade… Acho que só esperando para ver. Quando discutimos isso na Lista de Algol, surgiu a comparação de que o Zeebo tinha exatamente a mesma pretensão.

    Tanto que nem falei especificamente dele no post porque realmente não sei o que pensar a respeito.

    Onyas,

    Exato. Por isso que é preciso encarar isso como um investimento mesmo. Se vai sair algo bom ou não, há apenas incertezas quando a isso.

    As empresas produtoras fazem isso com desenvolvedoras há tempos e nesse caso, apenas a fonte do capital que é outra (mas a ideia de risco etc. é a mesma).

    Juliano,
    huahauhauhauhauhauhauahuahuah Não fugiu do tema não. hehehehe

    É como eu falei lá atrás: não sei bem o que pensar com relação a esse projeto. Vou esperar para ver. Até porque o que mais importa não é o hardware, mas os jogos que ele terá. E, claro, se os desenvolvedores vão “comprar” mesmo a plataforma ou não.

    istemthebronx,
    Valeu pela força!

    Eu até acho que esses projetos independentes antigos são muito mais independentes que atualmente. hehehehe O cara fazia algo em seu tempo livre, com seus próprios recursos e tal. se era uma equipe, a própria equipe subsidiava tudo e, nesse sentido, aproximavam-se mais da ideia original de “vaquinha” do que esses projetos de crowdfounding.

    O que não é ruim, mas passa a ser muito mais motivado pelo risco (os desenvolvedores têm que criar algo que agrade os milhares de investidores) do que pelo trabalho (“fiz o jogo assim porque ele fica melhor dessa maneira”). É um risco para o investidor e não uma tentativa ousada do desenvolvedor necessariamente.

    Gamer Caduco,

    Valeu cara!

    Eu acho que são bem diferentes também. E algumas das razões passam pelas que coloquei no post e por essas que você citou. Certamente existe gente bem intencionada nesses projetos, mas outras querem mais é ganhar uma grana fácil.

    Eu tendo a pensar que será algo passageiro, mas que motivará algum tipo de mudança na indústria em geral (talvez nem só na dos games). Mas o jeito é esperar para ver.

    Trocar games e emprestar de amigos é tudo de bom mesmo! hehehehe

      [Citar este comentário]  [Responder a este comentário]

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.