Sabem aqueles velhos filmes policiais? O cultuado film noir, com detetives particulares sarcásticos atuando em um mundo sujo e sombrio, quase sempre envolvidos com alguma mulher bonita e sensual (e perigosa)… aquela narração em off descrevendo cenários e impressões… clássicos com Humphrey Bogart e outras estrelas… quem curte?

Pois se você sempre quis bancar o detetive em um cenário desses, dificilmente vai encontrar jogo melhor do que os da série Tex Murphy. Muitos de vocês talvez conheçam Under a Killing Moon, uma das sequências mais famosas da série, mas este primeiro jogo, Mean Streets, lançado em 1989 para DOS, talvez seja o melhor “simulador de detetive” que você vai encontrar. Vamos dar uma conferida nesta pérola.

Não faltam mulheres sedutoras e perigosas em Mean Streets

RTFM (vulgo “leia o manual”)

O ano é 2033. Estamos em uma São Francisco devastada pela radiação da terceira guerra mundial, que gerou mutantes horrendos e tingiu os céus com um tom avermelhado. A alta tecnologia reina, com carros voadores sobrevoando a ponte Golden Gate e outros pontos notáveis da cidade, mas Tex é um investigador retrô, daqueles de capote e chapéu.

Hoje em dia nós estamos acostumados a começar os jogos sem ler o manual, partindo direto para a ação. Mas nessa época as coisas eram diferentes, e os jogos contavam com o manual para ambientar o jogador. Aqui ele tem importância dobrada, primeiro porque a narrativa do início da história é muito bem escrita, com aquele clima típico dos melhores filmes do gênero. Quando a sensual Sylvia Linsky entra no escritório para pedir ao herói que investigue o aparente suicídio de seu pai, o renomado cientista Carl Linsky, Tex descreve a sensação de topar com um mulherão daqueles. É muito atmosférico, e por vezes bastante engraçado, como nos melhores filmes do gênero.

Meu corpo e meu cérebro tentam me convencer a tirar umas férias, quando a porta do escritório se abre. A silhueta na entrada me diz que não é o entregador de pizza. Meus olhos seguem as curvas até onde os sedosos cabelos louros daquela dama parecem abraçar as maçãs de seu rosto, próximo aos olhos, que são exóticos, não exatamente azuis, mais profundos do que isso, tristes e perigosos. Se alguma mulher é a encarnação do perigo, é essa aí.

“Você é Tex Murphy?”, ela pergunta, com seu lábio inferior apontando para mim, e eu noto que provavelmente já olhei tempo demais para os lábios dela.

— Tex Murphy descrevendo a chegada de Sylvia Linsky ao seu escritório

Além disso, o manual também tem algumas dicas importantes para o começo do jogo. Quem pular a leitura não só vai perder boa parte da graça da história como vai ficar boiando, sem saber o que fazer.

Três em um

O que temos em Tex Murphy é um jogo de investigação, onde você deve interrogar suspeitos e obter pistas para resolver o mistério da morte do dr. Carl Linsky, pai da referida donzela Sylvia. O manual dá alguns endereços de pessoas que você deveria interrogar, e lá vai Tex… em seu carro voador! Como?

Sim, nosso investigador favorito viaja em um carro voador por uma São Francisco poligonal. Claro, é coisa low-tech, com formas poligonais básicas (quem já jogou Hard Driving vai entender mais ou menos do que se trata). Você digita o endereço no computador de bordo do carro, e o mapa marca seu local de destino. Aí, você tem duas opções: ou usa os controles para fazer seu carro ganhar altitude e vai controlando o voo até o local desejado, ou aperta “A” e deixa o piloto automático te levar até lá. Tem muita gente que reclama dessa parte e acha chata, mas eu acho sensacional. Ajuda muito na imersão ver o carro voando sobre a cidade, e ainda cruzar alguns marcos como a ponte Golden Gate. Além do mais, controlar o carro quebra a monotonia de ficar só interrogando suspeitos.

Tex sobrevoando a Golden Gate com seu carro voador. Há comandos para subir, descer, virar e até para warp speed! É quase um simulador de vôo!

Quando você chega ao seu destino podem acontecer várias coisas diferentes. O normal é abrir uma tela com o cenário digitalizado, um texto com Tex descrevendo o local e, em seguida, a imagem digitalizada (às vezes com animações modestas) da pessoa a ser interrogada. Para a época, essas imagens eram um estouro, e Mean Streets foi um dos primeiros jogos a usar o modo VGA com 256 cores — difícil era achar alguém com máquina para exibir isso na época 🙂

Para fazer as perguntas, você tem que dfigitar os nomes de pessoas, lugares ou outras informações. Você pode ser bem direto, digitando apenas os nomes, então não vai ter problemas com o interpretador do texto: digite apenas “Carl Linsky”, ou “Passcode”, por exemplo, para perguntar sobre esses assuntos. Felizmente as coisas fazem muito sentido, e você não vai ter que recorrer a guias nem ficar chutando mil coisas totalmente abiloladas. É notável como o jogo é sensato e acerta o alvo nesse sentido.

Algumas pessoas podem não querer colaborar, e você pode suborná-las. Mas quando sentir que a vantagem é sua, tente apelar para a violência, e o interrogado acaba abrindo o bico. Só não seja burro de ameaçar o chefe de uma corporação dentro do prédio dele, né? As imagens dos atores são ótimas e convincentes, e o diálogo também flui bem mesmo com as limitações tecnológicas e da interface.

As sequências de ação exigem que você se abaixe para esquivar dos tiros, aproveitando as brechas para levantar e mandar chumbo!

Ao entrar em áreas mais barra-pesada, você pode ter que trocar tiros com uma rapaziada… nesse caso, em vez de ir direto para o interrogatório, o jogador controla o boneco de Tex numa sequência de ação lateral. Não é um sistema maravilhoso, mas assim como as sequências com o carro, ele cumpre bem seu papel de movimentar as coisas, evitar o tédio e dar clima ao jogo. Dirigindo um carro, atirando em bandidos e interrogando suspeitos, você vai se sentir um detetive completo!

A terceira possibilidade é a de investigação de locais. Aqui o jogo vira um típico adventure, Ao se aproximar de a geladeira, por exemplo, você pode executar algumas ações, como abrir, mover, ligar e coisas do gênero. Felizmente são poucas ações, evitando as coisas bizarras vistas em adventures típicos, o que contribui para manter a sanidade do jogo (e do jogador).

A porção adventure do jogo é fácil de operar e não exige ações absurdas

Se você ficar esperto e for bastante observador, vai se virar numa boa. Além do mais, seguindo as pistas dos interrogados, você vai saber o que procurar em cada local. Como eu já disse, tudo faz bastante sentido em Mean Streets.

Tome nota, detetive!

Se você está pensando que vai ser moleza, se enganou. É preciso anotar muito bem anotado todos os nomes e endereços que te passarem, e registrar também as relações entre os personagens, senão você vai se perder com certeza. E vai por mim, tem nome pra caramba. Quem for anotando num arquivo de texto no computador não vai ter problemas de espaço, mas se você for como eu e preferir um caderninho, pode separar umas três folhas (frente e verso) só para anotar os nomes e endereços, seguidos de uma breve descrição de cada personagem.

Vanessa, a secretária de Tex, até fala! Era um espanto para a época.

Quando eu disse que o jogo era um ótimo simulador de detetive eu não estava brincando. Em alguns momentos eu ficava meio perdido com tanta informação, e aí eu parava de jogar, pegava o meu caderninho e ficava relendo as pistas. Muitas vezes vinha aquele estalo de “peraí, esse cara aqui deve saber alguma coisa sobre a história que esse outro contou”… você vai mesmo se sentir um detetive, é uma experiência fantástica. Além disso, há pistas falsas, e você vai investigar gente que no fim das contas não serve para absolutamente nada. Como num caso real, nem todas as pistas levam a algum lugar, e nem todo mundo é relevante.

Outro lance bacana são suas informantes. Se alguém te disser algo sobre uma pessoa e você não souber onde encontrá-la, ou quiser saber mais sobre ela, ligue para sua secretária Vanessa. É só apertar “V” dentro do carro, e o videofone irá exibir uma breve animação com o rosto da moça, e até uma breve sequência falada, coisa fenomenal para a época (e eu ainda acho o efeito muito convincente). Digite o nome do sujeito, e se for viável ela vai dizer que vai verificar. Volte ao painel do carro, e dois minutos depois chega um FAX, possivelmente com o endereço do suspeito.

Sylvia Linsky é sua cliente. Além de ser um tremendo avião, ela tem língua afiada e olho vivo

Quando Vanessa não resolver, recorra à sua informante Lee, uma asiática que cobra pelas informações. Você aperta “L”, o videofone abre; você dá um nome, e se ela puder ajudar vai perguntar quanto vale a informação. Se ela gostar da sua oferta, dê dois minutinhos que o FAX dela chega. Lee é mais envolvida com o lado underground e conta com sua própria rede de informantes, então é mais provável que consiga fornecer informações sobre certas pessoas do que Vanessa. Embora ela forneça dicas que você possa ter perdido ao esquecer de perguntar algo a alguém, há várias situações onde Lee é essencial, com informações exclusivas.

Tex Murphy: Mean Streets é um jogo que eu recomendo a todos que curtem uma boa história de detetive. A trama é ótima, a ambientação é fabulosa e a dificuldade do jogo tem um equilíbrio raro no gênero. Não é a toa que a série conquistou tantos fãs até hoje. O jogo está sendo vendido no GOG por 6 dólares, e ainda traz de brinde a sequência Martian Memorandum. As outras sequências, Under a Killing Moon (1994), The Pandora Directive (1996) Tex Murphy: Overseer (1998) também estão à venda por lá. E os fãs torcem por novidades de Project Fedora, que parece ser uma nova aventura de Tex, ainda sem previsão de lançamento. Experimente Mean Streets e venha torcer pela sequência junto com a gente!

Compre o combo Mean Streets + Martian Memorandum baratinho no GOG.com!

E só neste fim de semana, Tex Murphy: The Pandora Directive e outros com descontão de 50%!

Tex Murphy: Mean Streets (1989) é clássico noir dos PCs
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