“Para quem quer fazer exercícios de reflexão”

Olá crianças!

Estes dias pude adquirir o mais novo livro traduzido do grande autor (e autor grande) G. K. Chesterton do qual já falei por aqui algumas vezes (inclusive citando sua participação especial em uma das histórias do Sandman). De qualquer modo, li a primeira crônica das trinta e nove que compõem a obra “Tremendas Trivialidades” e ela me trouxe uma reflexão que engloba alguns dos assuntos recorrentes da Academia Gamer.

Comecemos, portanto, com a citação literal: “O mundo nunca sofrerá com a falta de maravilhas, mas apenas com a falta de capacidade de se maravilhar.”

Segundo ele, a aventura e as maravilhas do mundo dependem muito mais de uma capacidade nossa de nos voltarmos para essa grandeza sendo pequenos. Ou seja, as maravilhas do mundo são para os humildes que não buscam ser como gigantes e contemplar todo o cosmo como algo pequeno, diminuto e insignificante.

Sendo os jogos em geral “apenas” mundos dentro de nosso mundo, essa mesma estrutura essencial faz parte deles. Conseguimos experimentar a maravilha que é um pôr-do-sol quando nos abrimos completamente a ele exaltando sua grandeza e nossa pequenez diante dele. Igualmente, apenas podemos provar das aventuras que um game nos propõe quando nos entregamos completamente a ele.

Essa capacidade de se maravilhar nada mais é do que essa entrega.

Outros autores (e eu próprio inclusive) afirmam que o jogo nos seduz antes de entrarmos em sua esfera. E isso é verdade já que podemos comprová-lo em nossas experiências pessoais com quaisquer jogos. Porém, de que adiantaria a sedução se tivéssemos o receio da entrega? Em um mundo tão desconfiado e cético como o nosso, tal movimento beira a loucura para muitas pessoas.

Logo, muitos games não se mostram maravilhosos para nós porque não queremos simplesmente nos entregarmos completamente a eles. E isso carrega consigo um problema: muitas vezes “decidimos” isso antes mesmo de termos tentado realizar tal entrega.

Não estou dizendo aqui que todo game é bom. Um péssimo game pode ser popular, por exemplo, assim como um bom jogo pode ser pouco provado, mas que prevalece por gerações a fio. Porém, o julgamento deve vir apenas depois de uma tentativa real e humilde de entrega. É apenas “entrando no jogo” (e é exatamente isso mesmo) que podemos dizer se tal aventura vale ou não a pena.

Interessante pensar que “wonder” em inglês traduz tanto o substantivo “maravilha” como o verbo reflexivo “perguntar-se”. Um mundo que nos maravilha é um mundo que nos coloca questões, que faz com que perguntemos algo a nós mesmos acerca daquilo que percebemos. Algo que geralmente nos é óbvio e a respeito do que nunca pensamos com profundidade. Nós, enquanto seres humanos, possuímos essa abertura essencial ao mundo que o questiona e, no processo, questiona também a si próprio.

É nas trivialidades de um game que podemos contemplar os tremendos sentidos que carrega consigo. Se é assim com nosso mundo, também o é com qualquer mundo-jogo que possamos imaginar.

A grandiosidade da aventura não está em sairmos rumo ao completo desconhecido, mas em partir de algo que se mostra tremendamente familiar e trivialmente estranho.

Conseguiremos nós sermos humildes o suficiente para isso? Apenas assim conseguimos contemplar (e nos maravilhar) com a verdade do jogo e do mundo.

É isso que queria compartilhar com vocês essa semana. até o próximo post!

Academia Gamer: Que maravilha!
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12 ideias sobre “Academia Gamer: Que maravilha!

  • 18/09/2012 em 8:07 am
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    Grande post mestre Senil, bem no ponto. Poderia estar expresso em todos os sites de games pra mostrar a muita gente que critica vários jogos sem ao menos ter tentado(eu já fiz muito isso). Ainda assim tem muito jogo que eu passo a admirar(ou admirar mais) quando o contemplo pela segunda vez, seja um jogo que eu tenha terminado ou um jogo que só tenha testado e essa impressão na primeira tentativa foi falha, nesse caso depois de algum tempo é que vem a experiência por assim dizer para tal jogo(como se eu ainda não estivesse preparado pra tal jogo). Já os jogos terminados deixam um gostinho muito melhor quando estou jogando pela segunda vez, estou experimentando isso com Fire Emblem e é legal demais.

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  • 18/09/2012 em 8:21 am
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    a culpa é do Hype.

    se faz os games serem famosos ou não, é Hype da imprensa darem valor a tais games do que outros. a geração atual tende muito a isso com os sites de games que vendem que tal game vai ser a segunda vinda de Jesus, para no fim, nos decepcionar com um final em DLC ou série incompleta.

    sobre entregarmos a um game…acho que depende de cada um os motivos do gamer se entregar a tal jogo ou franquia a ponto de virar fã. eu mesmo uso um pouco de devaneio para me situar naquele mundo/universo para se prosseguir num game. o primeiro a eu ter essa experiência foi jogando Link of a Past, e partindo dele, tentei me “inserir” mais a finco nesses mundo-jogos, mas poucos conseguir ir completamente. nós retrogamers usamos isso de boa moderação, assim como ler livros. os games atuais poucos tem essa inserção do jogador, fazendo deles apenas expectadores ao invés de se fazerem entrar no ambiente que estamos vivenciando.(no caso, o jogo)

    Hee-Hoo Mestre Senil!

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  • 18/09/2012 em 4:43 pm
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    Bem apontado essa questão do verbete “Wonder” no idioma inglês, nos remete à genealogia da palavra, oriundo provavelmente da falta de conhecimento sobre fenômenos da natureza tão próximos mas ao mesmo tempo tão distantes, como o pôr do sol citado. Todos podem ver um pôr do sol, mas e explicar? O que nos resta é ficar “maravilhado” mesmo.

    Concordo um pouco com o que o Leandro falou acima. Estou jogando “Romance of the Three Kingdoms IV” (é, esse jogo de novo), que é um jogo de estratégia baseado num livro. Como é característico nesse gênero de jogo, não há uma estória ou roteiro definido, tudo acontece baseado nos seus atos interagindo com a IA randômica.

    Mas como eu conheço os personagens do livro, o jogo acaba se tornando uma “estória alternativa” muito divertida. Tipo aquelas estórias do Visão na revista Superaventuras Marvel (alguém? Oh, tudo bem…).

    Por exemplo, criei um personagem chamado Sheng Long (haha!) para ser o governante, e mais três filhos: os Sheng Tsung, Pei e Liao. Quando o pai morreu, você tem que escolher um dos filhos para suceder, e isso acaba fazendo parte dessa “estória alternativa” que só existe na minha cabeça e no meu jogo. Tudo depende de escolhas. Assim como quando eu capturo um governante eu posso escolher em recrutar, liberar ou executar ele (normalmente eu executo, porque eu sou muito mau! Mwhahaha!).

    Então, complementando a opinião do colega acima, acho muito importante haver essa liberdade, ajuda muito a entrar no jogo, faz você se sentir parte dele.

    Por outro lado, esses Cinematics Games atuais têm também o seu valor, porque depende muito de como você encara o jogo. Porém, acho que essa “amarração” te deixa um pouco de lado, fazendo com que seja necessária ter outra visão para “entrar” no jogo. Mais como um filme, onde, apesar da postura passiva, você ganha a afeição pelos personagens como se os conhecessem, como se fizessem parte da sua vida, embora algo distante. Enquanto em outros jogos, como no que eu citei, você É o personagem…

    Creio que são duas formas de se “maravilhar” diferentes, não que uma seja melhor que a outra, acho…

    Enfim, outro belo post, Senil. Continue assim!

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  • 18/09/2012 em 6:39 pm
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    Juliano,

    Valeu pelo elogio!

    E eu concordo com tudo que falou também. Se Fire Emblem é um bom exemplo para sua experiência desse caso, para mim é o Phantasy Star III. hehehe Sim, eu sempre arrumo um jeito de falar desse jogo. Ele no começo me decepcionou, mas depois que voltei a ele, fiquei maravilhado com tudo o que ele tinha a oferecer.

    Mas só provei de todas essas maravilhas quando me entreguei humildemente a ele e deixei-me maravilhar. E isso é algo que temos que fazer todos os dias, com todos os jogos e a cada vez que os repetimos.

    leandro(leon belmont) alves,

    Bem isso mesmo… Infelizmente, as propagandas dos jogos mais nos convencem a comprá-lo do que a experimentar o mundo que ele nos propõe. Como disse, um jogo louvado pela crítica hoje pode ser visto como uma porcaria alguns anos mais tarde. É só ver revistas da época do PSX resenhando games lançados para SNES ou Mega Drive sob os novos critérios de julgamento.

    A ideia é sempre “entrar em jogo” de acordo com o que o game nos propõe. Ou o livro, como também citou. Todo mundo-jogo tem essa característica porque propõe nos envolver.

    Onyas,

    Eu conheço o Visão, mas não sabia desse lance da perspectiva dele das histórias. hehehehe Bom saber porque fiquei mais interessado pelo personagem.

    huahauhauhauhauha Executar é algo bem comum nesse jogo. hehehehe Um amigo meu jogou um game dessa série fazendo isso também. Deu mais sorte do que sendo complacente com alguns. hehehe

    E concordo: o jogo tem que oferecer liberdade. Se ele diz exatamente o que temos que fazer (uma prescrição), deixa de ser jogo. Mas isso também aparece, sob outra forma, em coisas mais direcionadas como alguns games modernos ou filmes. Há uma diferença como bem apontou, mas é sempre um reconhecimento do estranho no familiar. Por isso que nos emocionamos trocentas vezes com uma mesma cena de um mesmo filme ao longo de toda nossa vida.

    Valeu pela força cara! Espero continuar fomentando todas essas riquíssimas discussões. Acho que sou eu que ganho mais com vocês aqui do que o contrário. hehehehe

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  • 18/09/2012 em 11:07 pm
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    Ooow… desculpa… quando eu escrevi “Visão”, entenda “Vigia”. Putz… é que faz tempos que eu não leio nada da Marvel, huahuahauh! Que misturança…

    O Visão faz parte dos Vingadores, com o Capitão América, Thor e outros. O Vigia é um extraterrestre cabeçudo que mora na lua e fica contando estórias alternativas como, por exemplo, “E se o Justiceiro matasse o Demolidor…”, ou “E se Peter Parker não tivesse casado…”. São estórias bem legais, recomento (mas não tem nada a ver com o Visão, huahauahu!).

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  • 19/09/2012 em 1:18 am
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    Gostei muito do post de hoje. Me fez voltar ao último final de semana, que me fez pensar exatamente sobre o ato de se entregar ao jogo e se maravilhar com o mundo que se desenrola na nossa frente.

    Semana passada comprei o jogo Super Mario Galaxy 2, para Wii. Quando chegou, joguei um pouco e gostei bastante. Na sexta eu viajei para visitar meu irmão, que mora em outra cidade. Levei o jogo para jogar com meu sobrinho, que já estava esperando ansioso. Se eu já tinha gostado do jogo, com meu sobrinho ele tomou proporções épicas. Nada como enxergar o mundo com os olhos de uma criança de 6 anos. Jogando com ele cada cantinho das fases era uma descoberta fascinante, cada chefe que aparecia deixava a gente de queixo caído, cada fase vencida era a maior vitória do mundo. Os mundos do Mario Galaxy se tornaram literalmente um universo de possibilidades e maravilhas.

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  • 19/09/2012 em 11:25 am
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    Cara, maravilhoso texto. O que mais gostei foi a parte da citação de G. K. Chesterton. Meu, o mundo está cheio de maravilhas e só enxerga quem quer, ou quem consegue, né? Quantas vezes já me diverti com jogos simples, tipo o jogo da cobrinha no celular e vários outros. É uma questão de ponto de vista, o copo pode estar meio cheio ou meio vazio, depende de sua percepção!

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  • 19/09/2012 em 7:48 pm
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    Só posso dizer uma coisa parabens mesmo curti muuuuito seu post e realmente vc tem razão as vezes não nos deixamos se entregar as maravilhas e acabamos por esquecer o que realmente importa ser feliz e aproveitar as coisas boas da vida como uma boa jogatina

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  • 19/09/2012 em 8:48 pm
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    Onyas,

    Ah! Agora faz mais sentido! huahauhauhauhauhauhauha

    E nem precisa dele para contar histórias alternativas. A Marvel faz isso naturalmente em seus trocentos mundos. hehehehehe

    fredtoy,

    Que bom que tenha feito sentido para você e suas reflexões recentes! Fico contente com isso!

    Essa experiência com seu sobrinho também foi bacana. O tal do “juvenil” de que falamos algumas vezes por aqui perpassa qualquer idade e, felizmente, não é excluisivo das crianças (embora seja mais comum que o percebamos nelas).

    Gusthork’s,

    O principal é a citação dele mesmo. hehehe Sinto que meu texto é mais uma enrolação daquilo que ele disse puxando a sardinha para o lado dos games. hehehe Valeu pelo elogio!

    Joguei muito Snake 2 no celular! Grande jogo! Tem muito game moderno sem graça perto dele. hehe

    luiz carlos,

    Valeu pela força, cara! Muitas vezes nos fazemos de cegos e isso acaba aniquilando boas experiências com o trivial como você mesmo disse.

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  • 20/09/2012 em 5:01 pm
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    O mais interessante deve ser quando o personagem nos decepciona com as ações dele, mas a simpatia é tanta que nada nos impede de continuar. Gosto de personagens que nos levam para o mundo dele (interno e externo) e nos permite controlá-lo, mas não totalmente. assim fica uma relação meio “casamento”. Eu quero uma coisa, mas ele não.

    Mas não sei se há um jogo onde a relação personagem-jogador fosse algo assim e ambos pudessem chegar a uma decisão sobre o que fazer, mas sem o jogador ter total controle. Seria bom fazer o jogador aceitar a vontade da personagem e não ser um eterno “eu quero isso e pronto!”

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  • 22/09/2012 em 9:40 pm
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    bons tempos de wonder boy, mestre senil!!!!lembro da primeira vez quando vi wonder boy,,,fiquei maravilhado com esse jogo!!!!a verdade que antigamente quando não tinha dinheiro e internet…bastava aparecer um lançamento gamer que todo mundo ficava doido para jogar ou ter…na era 8 bits era assim,,,acredito que as dificuldades fazia a expectativa ser melhor,,,a ansiedade fazia parte disso,,,ou seja as preliminares era a melhor coisa antes de jogar,,,até mesmo antes de ligar o video game,,,tudo isso era bom demais,,,hoje com a internet, pirataria,,,tudo ficou mais fácil,,,foi tirado o brilhantismo e a magia das preliminares antes de jogar,,,tudo vem mais fácil,,,basta baixar, tirar uma cópia ou até mesmo ir no capitão gancho escolher um jogo e comprar,,,,a verdade que antigamente era melhor,,,lembro que ia na casa de um amigo meu…longe,,muito longe mesmo,,,precisava de ônibus para ir lá,,tudo isso para pegar um cartucho emprestado do jogo you noid!!!!era bom demais,,,,sinto falta dessa ralação e dificuldade que existia,,,era bom demais alugar cartucho, pedir emprestado e até comprar cartuchos usados,,,as dificuldades trazia toda uma expectativa do jogo e essa sensação de maravilha não existe mais hoje,,,saudades dessa época!!!!valeu !!!!!

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  • 25/09/2012 em 12:41 am
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    Leandro Moraes,

    Eu costumo dizer que é necessário que mesmo as escolhas que façamos pelo personagem devem fazer sentido com a totalidade do jogo. E isso, claro, varia com a maneira com que o percebemos. Por exemplo, quando o Rhys chega ao fim de sua geração em Phantasy Star III, ele pode se casar com Maia ou Lena. Quando cheguei aí pela primeira vez, angustiei-me para escolher, mas pensei “pô, faz muito mais sentido que ele escolha a Maia porque acho que ele não se deixaria levar apenas pela revelação de que ela é layana: ele não é preconceituoso”.

    Em vezes seguintes, nova angústia, mas outra escolha dependendo do caso. Na verdade, sempre fico em dúvida nesses casamentos de PSIII. hehehehe

    A questão é que nós e tudo aquilo que joga conosco está em pé de igualdade porque, no final das contas, somos todos jogados pelo jogo mesmo (por isso mesmo que somos levados por ele).

    helisonbsb,

    Sabe que só conheci o Wonder Boy muito depois? Meus primeiros contatos com a série foram indiretos (através dos hacks da Mônica).

    Quando você diz “as preliminares era a melhor coisa antes de jogar,,,até mesmo antes de ligar o video game” eu acho legal porque você descreveu bem suncintamente como era o pre-ludere (ou prelúdio) em épocas anteriores. Toda essa sedução, esse flerte do jogo conosco… Tudo isso mudou bastante: hoje, em geral, um game não seduz para nos envolver, mas sim para ser comprado.

    O prelúdio atualmente envolve outras coisas que antes nem sonhávamos em ter (vídeos com fácil acesso etc.). É diferente, mas pelo menos é algo que ainda não sumiu completamente para todo mundo.

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