Hoje é dia de finados, e portanto é dia da gente participar do meme “Retromorri” do Gabriel, do GLStoque. Quer participar? Faça seu post sobre algum retrodefunto dos videogames e avise ao Gabriel!

Eu tenho certeza de que hoje minha esposa vai lembrar do canário Elvis que morreu quando ela era criança, do avô que ela tanto gostava e partiu cedo… mas eu, como bom retrogamer nerd que só perdeu a virgindade por milagre, vou lembrar mesmo é daquela jovem moça de orelhas pontudas e maiô roxo…

É isso aí, a Nei morre no Phantasy Star II. Pronto, spoilei o grande momento do jogo. Não gostaram? Me processem. Mas putzgrila, Phantasy Star II saiu em 1989, vocês tiveram 22 longos anos para jogar esse negócio, não me venham com esse papo-furado de “pô, você estragou a surpresa”. Ah, e tem mais, o Bruce Willis já tá morto desde o início em “O Sexto Sentido”. Filme velho pra caramba, não tem desculpa não ter assistido ainda.

A morte da Nei é uma tremenda sacanagem. Ao contrário da maioria dos RPGs, onde você geralmente começa sozinho com o protagonista, em Phantasy Star II você já começa controlando Rolf e Nei. O que é péssimo para o Rolf, porque desde o primeiro momento todo mundo se interessa mesmo é pela Nei, uma misteriosa cruza genética de humano com biomonstro, gerada no laboratório de biossistemas de Motávia. Nei acaba se dividindo em duas criaturas diferentes: uma bondosa e gentil, que é a Nei que conhecemos. A outra, Neifirst, é uma criatura letal e feroz. O bizarro encontro entre as duas é justamente a hora da verdade para Nei, que acaba empacotando nos braços de Rolf. Compare essa história ao clássico argumento “protagonista órfão e sem memória”de nosso suposto protagonista de cabelo azul e vocês vão entender porque a Nei é o grande lance do Phantasy Star II. Além do fato da Nei usar maiô roxo, obviamente.

Nei e Neifirst, em arte do brasileiro Seijiwolf

É muito comum Phantasy Star II aparecer em listas de maiores RPGs de todos os tempos, e isso se deve em grande parte ao triste fim da Nei. Desde o início do jogo ela sofre pra diabo (aliás, Phantasy Star II é uma porrada atrás da outra): depois da traumática separação de sua gêmea Neifirst, uma Nei ainda criança é atacada por uma multidão enfurecida e preconceituosa (se aqui nós já somos uns imbecis e infernizamos a vida dos gays e dos negros, imaginem o que a turma de Motávia não fazia com uma criatura singular como a Nei). Quem lidera esse quase massacre é um caçador chamado Darum, que também vai ter o que merece em dobro mais tarde quando, cego pelo ódio, acaba matando a própria filha por engano. É, spoilei outro grande momento do jogo.

Nei olhou para mim por um momento. Lembrei de quando nos conhecemos; ela me olhou da mesma forma. Isso foi há sete meses. Criada pela fusão de células de humanos e biomonstros, Nei logo se viu excluída pela sociedade.

“Você era muito jovem quando nos conhecemos, mas agora já pode se virar sozinha. Vou partir em uma jornada perigosa; perigosa demais para você. Para mim, você é como uma irmã.”

– Rolf, pouco antes de iniciar sua missão em Phantasy Star II

Quem salva Nei da morte certa é Rolf, que bota a multidão para correr e resolve adotar Nei mesmo sem saber nada sobre o passado dela. Para a surpresa de nosso amigo, em apenas sete meses Nei se desenvolve em ritmo acelerado, tornando-se adulta. E é nesse ponto da vida que Rolf recebe do governador de Paseo, capital do planeta Motávia, a missão de verificar por que o laboratório de biossistemas está gerando biomonstros perigosos sem controle algum. Rolf pede a Nei que fique em casa enquanto ele cumpre a missão, mas Nei insiste em acompanhá-lo. Não que ela estivesse muita segura sozinha em Paseo, onde certamente era odiada por muitos. Sem Rolf por perto, era bem capaz de tacarem fogo na casa do Rolf com a Nei dentro.

Arte extraída de um dos muitos mangás feitos por fãs de Phantasy Star. Quer ver o resto? Clique aqui e seja feliz!

Nei possui vários traços distintos que capturam a atenção do jogador imediatamente:

  • Orelhas pontudas: elfos são comuns em RPGs de fantasia, mas não se encaixariam no ambiente medieval-tecnológico típico da franquia Phantasy Star. Eu sempre achei que a criação da raça newman (humanos + biomonstros) era uma maneira de levar os elfos para Algol.
  • Garras: não que espadas não sejam letais, mas garras gigantes e afiadas são um negócio totalmente brutal! Imaginem então uma mulher de aparência frágil e dócil carregando um par dessas armas, em vez dos habituais cajados e bastões mixurucas que as moças costumam usar em outros RPGs. Rock n’ roll total.
  • Maiô roxo: … esse eu já mencionei, né? 😛

Além de poder atacar duas vezes por turno, Nei conta com magias de cura extremamente úteis na primeira parte do jogo. Além disso, ela avança níveis rapidamente. É justamente quando a gente está se empolgando com as habilidades da moça que Phantasy Star II nos prega uma peça.

As investigações levam os heróis até o sistema de controle do clima em Motávia, o Climatrol. Lá, a verdadeira causa das tragédias se apresenta: Neifirst, a até então desconhecida gêmea selvagem de Nei.

“Eu sou Neifist.

Nasci há dois anos, fruto de uma experiência que combinava humanos e biomonstros no laboratório de biossistemas. Os cientistas julgaram a experiência como um fracasso e tentaram me matar, mas eu escapei e roubei o DNA armazenado no laboratório.

Eu criei os monstros para me vingar das pessoas que brincam com a vida de forma tão displiscente e egoísta. Mas há outra Nei dentro de mim; uma Nei que tenta me impedir.

Sim… essa é a mulher a quem vocês chamam Nei. Sua suposta amiga é, na verdade, um monstro que despreza todas as pessoas!”

Nei contesta Neifirst, dizendo que sabe que é terrível ser um biomonstro, mas que não podia tolerar as ações de sua irmã, e por isso se separou dela. Começa um embate entre Nei e Neifirst. Seja qual for o andamento da batalha, Nei morre nos braços de Rolf.

“Não há mais esperança para mim. Rolf, não permita que as pessoas cometam o mesmo erro que cometeram quando me criaram. Espero que todos em Algol possam encontrar a felicidade em sua nova vida.”

Depois de dizer essas palavras, Nei morre. Rolf repousa o corpo sem vida delicadamente no chão.

“Nei! Vamos vingá-la!”

A morte de Nei foi um momento muito marcante para os RPGs, por uma série de razões. Primeiro, porque Nei não é uma mera coadjuvante. Ela é uma personagem forte, completa, e não um tapa-buraco que vai ser sacrificado. Toda a história de Phantasy Star II gira em torno dela de certa forma, e sua influência ainda pode ser sentida em Phantasy Star IV, que se passa mil anos depois (ou dois mil, dependendo de qual versão, americana ou japonesa, você joga). Ninguém esperava que ela morresse, muito menos no meio do jogo.

Segundo, o sacrifício de Nei é trágico em muitos sentidos. Não só ela morre provavelmente perfurada pelas lâminas afiadas das garras de sua gêmea como morre personificando o verdadeiro heroísmo. Mesmo sendo odiada por todos, Nei luta até o fim pela felicidade do povo de Algol, e suas últimas palavras são de carinho e ternura para com essas pessoas. Esse “sentimento Nei”, do sacrifício puro sem desejo pelo reconhecimento, focado exclusivamente na justiça, ecoa por todo o resto do jogo.

Os heróis são tidos pela opinião pública como criminosos responsáveis diretamente pela pane de Mother Brain, o megacomputador tirânico que controla todos os aspectos da vida em Motávia. Eles vão até o fim perseguidos como criminosos, e após o trágico desfecho do jogo, a impressão que se tem é que, mesmo sacrificando suas vidas para salvar o mundo, todos entraram para história como os grandes vilões que levaram o caos a Motávia. Esse é para mim um dos pontos centrais da saga Phantasy Star: seus heróis são heróis de verdade,

Perto do final do jogo, Noah (aquele mesmo, do primeiro Phantasy Star) entrega a Rolf uma espada muito especial:

“Dentro deste baú está a espada Nei. Você deve empunhá-la para que ela o resgate do lado negro.”

Eu acredito que Noah tenha dado esse nome à arma em homenagem a Nei, visto que tanto a personagem quanto a espada guardam muitas semelhanças: ambas estão relacionadas ao heroísmo e ao abandono do lado negro. Quem conquista a espada Nei o faz por possuir as características de heroísmo, amor incondicional e sacrifío que Nei possuía. Tanto isso é verdade que em Phantasy Star III os heróis precisam obter um conjunto de armas com a classificação Nei para concluir sua jornada. Para mim, é tudo simbólico: eles não precisam das armas em si; precisam daquele “sentimento Nei”. É a velha história da jornada não por algo externo, como uma espada, mas por algo que já existe dentro de cada um dos personagens da aventura. Ou, como se costuma dizer, o que importa é a jornada, não o destino.

Portanto, caros amigos retrogamers, se vocês pensam que a Square foi super inovadora e surpreendente ao matar a Aeris em Final Fantasy VII, pensem duas vezes. Para mim, e para quem acompanhou a evolução do gênero, o verdadeiro divisor de águas no drama JRPG foi a jovem de maiô roxo, garras afiadas e olhar gentil de Phantasy Star II. Descanse em paz, Nei!

Participantes do Retromorri

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Retromorri… de maiô roxo!

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