Já faz um tempinho razoável que eu comprei a trilogia King’s Quest I + II + III no GOG.com. Eu sempre quis ver qual era o lance do primeiro jogo, criado por Mrs. Roberta Williams ao lado do maridão programador Ken Williams em 1984 e que representou uma enorme revolução: gráficos animados! Bonequinho colorido andando pela tela!

Sim, meu caro, isso simplesmente não existia naqueles tempos, você tinha no máximo uma imagem estática bem mequetrefe na metade de cima da tela e um texto embaixo! KQI chutava o balde não só por você poder mover seu bonequinho pela tela, mas também pelo fato de que ele podia ir para o fundo e para a frente do cenário, passando por trás das árvores, por exemplo. É claro que praticamente todos os jogos que você já jogou na sua vida fazem isso, mas como todo fã do Capital Inicial sabe, “acontece que tudo tem começo”, e KQI foi o primeirão, dando o pontapé inicial em uma peleja gamística que se estende até os dias de hoje.

Para falar com o rei, não é só dar TALK não: tem que AJOELHAR antes. Você vai ter que queimar muito a fuma para terminar esse treco.

Mas o jogo, responsável pelo nascimento da Sierra On-Line (que ainda nos presentearia com uma batelada de clássicos nos anos seguintes) não é famoso só por ser inovador, mas também pela sua dificuldade. Muitos juram de pé junto que é impossível terminar esse negócio sem guias. O único contato que tive com a série foi com o quinto jogo. Eu era molecão, e depois de passar dias ouvindo um sujeito gritar “old lamps for new!” incessantemente e não conseguir avançar nada desisti e apelei para um guia que saiu em uma revista.

Mas hoje sou adulto, mais inteligente (espero)… e o KQI, será que é impossível mesmo? Armado de alguma paciência e de muita determinação, passei alguns dias encarando este desafio. E amarelei e procurei um guia no meio do caminho :p Mas digo a vocês o seguinte: KQI sem guias é possível sim, mas só se for jogado no contexto certo, coisa totalmente inviável nos dias de hoje, especialmente para um brasileiro. Eu explico.

Era uma vez um rei…

O jogo começa mesmo no manual, que conta a fascinante história do rei de Daventry. Depois de fazer um pacto equivocado com um bruxo, ser tapeado por um anão e levar uma volta de uma garota, o rei se vê velho e sozinho em seu reino arruinado. Acontece que essa história que eu resumi em uma linha é contada com um BAITA estilo no manual, coisa fina de se ler. Roberta Williams é doida por contos de fadas, e este é o requisito principal para vencer King’s Quest I: ser um profundo conhecedor de contos de fadas.

A primeira tela do jogo. Eu pago um dindin grande a quem não morrer pelo menos umas dez vezes tentando cruzar essa ponte.

Por que? Vou ilustrar com um exemplo (SPOILER AHEAD!): em um dado momento você encontra um duende. Ele diz que se você adivinhar o nome dele vai ganhar um prêmio, mas você só tem três chances. Existe um conto dos irmãos Grimm  sobre um duende que propõe a mesmíssima trívia a uma rainha, e o nome do pequeno é Rumplestiltskin. Se você, naqueles tempos em que o jogo foi lançado, conhecesse o conto, ótimo (hoje tem internet, mas naqueles tempos não tinha). Era só juntar a história a uma dica que você pegava com a bruxa na casa de doces (é, aquela casa de doces, lembra?), dizendo que às vezes é bom pensar ao contrário, para desvendar o nome do bichinho no jogo: nikstlitselpmur. Mas sem conhecer o conto, lascou-se: não há mais pistas in-game.

King’s Quest tem vários momentos assim, se você conhece o conto de fadas ao qual uma situação faz referência, então já tem meio caminho andado. Ao ver o troll na ponte, por exemplo, você já sabe que vai precisar de um bode (leia a história aqui). E se conseguir feijões… adivinha, essa é fácil!

Pode ser difícil de imaginar isso, mas já houve um tempo em que a internet não existia, e cara, você tinha que ser muito bem letrado para terminar esse jogo. Tinha que conhecer esses contos de trás para frente e de frente para trás. Na Europa a turma manja dessas coisas, é um lance que se aprende até na escola, faz parte da história literária do continente. Aqui, a gente só conhece um João e Maria, ou João e o Pé de Feijão, e olhe lá.

A casa de doces… vai dizer que não conhece essa história? A solução aqui é a mesma: empurrão na bunda da bruxa para que ela queime no forno!

E a coisa não para por aí, ainda temos a dificuldade natural da interface. Pessoal, estamos falando de um jogo de DOS de 1983, mouse ainda era um negócio esquisito que o Dvorak achava que não ia colar e ninguém tinha em casa. O lance era escrever os verbos mesmo, tipo “CUT ROPE WITH DAGGER”. Às vezes você sabe o que fazer, mas tem que adivinhar uma frase que o jogo entenda. O jogo é até bem divertido e envolvente, eu fico imaginando como deve ter sido mágico jogar isso naqueles tempos, mas que é uma dureza, isso é.

Embora algumas partes sejam até bastante lógicas, você vai suar a camisa para descobrir certas coisas. Por exemplo, pegou uma castanha, tá lá no inventário esperando uma chance de ser usada… é, amigo, mas tem que ABRIR A CASTANHA para achar um treco de ouro lá dentro. Bizarro. A regra é: faça de tudo com o que encontrar. Viu uma pedra? Olhe para a pedra, empurre a pedra, lamba a pedra, vale tudo. Vai que alguma coisa funciona?

A própria Sierra lançou um remake com gráficos melhorados tempos depois. Mas aqui no Gagá Games somos todos velhos reacionários que acham que gráfico bonito é coisa de mariquinha, então jogamos o original mesmo.

O mapa do jogo não é muito grande: é um conjunto 8×6 de telas, somando 48 (mais umas poucas telas extras de localidades especiais). Faça um mapa simples no caderno, com um retângulo para cada tela e um texto dentro descrevendo o que tem nela: um tronco de árvore, um chão diferente… anote tudo, e vá riscando os enigmas que resolver. Talvez isso ajude naqueles momentos de “e agora, o que eu faço?”

E por que eu recorri a guias para terminar KQI? Simples: porque este jogo toma tempo, muito tempo. São tantas possibilidades que você vai levar MESES para cobrir tudo. Eu acredito que dá sim para terminar sem guias, mas KQI saiu numa época em que você não tinha muito o que jogar no computador, e ficava meses jogando o mesmo jogo, com muita calma, tentando uma coisa diferente a cada noite. Isso é inviável hoje em dia, ninguém tem mais paciência de ficar remoendo um mesmo jogo meses a fio com tanta coisa disputando a atenção. É bom ter isso em mente antes de dizer que é impossível, mas que KQI tem uma dificuldade dos infernos, ah, isso tem.

A parte do poço é uma das mais terríveis. Você tem que executar umas três ações diferentes, e o boneco tem que estar no lugar exato para que a última funcione. As chances de chutar o comando certo e ele não funcionar por causa da posição do boneco são enormes!

Se eu recomendo o jogo? Sim, com todas as minhas forças. Além da “aula de história gamer”, o manual faz um ótimo trabalho de envolver o jogador, e existe algo de muito sedutor em ficar digitando comandos, é estranhamente divertido. O jogo é tão limitado quanto os adventures que já trazem os verbos prontos para serem clicados, mas a sensação de liberdade na digitação dos comandos pesa a favor do jogo.

Algumas sequências são divertidas e lúdicas. Ver o personagem girando sem parar enquanto despenca pelo poço é muito engraçado. Vê-lo nadando naquela água segundos depois é um daqueles momentos “oooh, ele nada…” que conquistam o jogador meramente por serem inesperados. O texto também é muito bem escrito, e muitas vezes consegue ser sucinto e brilhante ao mesmo tempo. Eu recomendo que você dê uma partidinha à moda antiga, sem guias, e que quando começar a ficar empacado apele para os guias. É claro que não vai ser uma experiência 100% autêntica, mas mesmo assim vale muito a pena conferir as coisas incríveis que a dona Roberta era capaz de fazer com apenas 16 cores.

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