“Para quem quer fazer exercícios de reflexão”

Olá crianças!

Estou escrevendo um artigo acadêmico sobre um psicólogo holandês que viveu no século passado e que já falei bastante dele por aqui: Buytendijk. Ele adota a fenomenologia como fundamento para a descrição das coisas tal qual elas se mostram e ele tem discursos muito interessantes e ricamente descritivos sobre jogos e sobre o jogar.

Em um de seus livros sobre o assunto (uma conferência em que fala sobre futebol) diz algo que é compartilhado por muitos fenomenólogos (como eu mesmo): apenas conseguimos compreender uma pessoa quando compreendemos seu mundo.

Ou seja, compreendemos alguém pela forma com que o mundo se lhe mostra. Se queremos compreender um pintor, essa nossa tentativa passa pelo uso das tintas e dos temas que utiliza; se for um esportista, pelo esporte que pratica etc. E isso levou-me a pensar na seguinte questão: nós, enquanto jogadores de videogame, também podemos compreendermo-nos uns aos outros (e a nós mesmos) pelos games que jogamos?

Reparem que é muito diferente afirmar algo como “jogo games violentos porque sou violento” e dizer “aprecio games violentos porque o mundo se mostra assim para mim”. Nossas escolhas acontecem nesse mundo em que habitamos a partir de nosso horizonte e de nossa perspectiva. Para que entremos em um mundo-jogo qualquer, é preciso que ele se mostre inserido neste nosso horizonte. 

Não basta termos um encontro com um game qualquer para que queiramos jogá-lo. É preciso que ele se mostre próximo de nós, inseridos dentro desse nosso horizonte. E essa proximidade não é justamente o que tenta fazer o jogo conosco durante o prelúdio? Prelúdio esse que, como vimos várias vezes, envolve desde uma ligeira sugestão de amigos passando por trailers e resenhas bem elaboradas até mesmo chegando à introdução do game propriamente dito.

A ideia do jogo como um “substituto moralmente aceitável” para a agressivdade, por exemplo não se encaixa aqui. Não jogamos certo tipo de jogos como uma espécie de catarse e, embora alguns o façam, é até discutível dizer se essa pessoa está realmente jogando ou não. Afinal, se quero aplacar meu sofrimento, dor ou saciar algum desejo, a tarefa que nos é colocada pelo jogo aparece bem fraca em um segundo plano qualquer.

O mundo comum que compartilhamos é vasto e comporta todos os outros mundos, horizontes e regiões. E são aqueles mais próximos de nós que se mostram mais facilmente como possíveis. E o que esses mundos de nosso mundo revelam sobre nós a nós próprios? Ou, antes de tudo, revelam alguma coisa?

Que manifestam algo, disso eu não tenho dúvidas. Nosso modo de ser no mundo aparece através de nossas ações, escolhas e todo e qualquer movimento em geral. Inclusive o movimento de entrarmos em um mundo temporário, “saindo da rota” do nosso mundo das ocupações ordinário.

Para facilitar a imagem que quero que tenham junto comigo, pensem em um lugar qualquer do mundo para o qual gostariam de viajar. Pode ser alguma região do globo que já tenham ido ou não porque issonão faz diferença. Certamente algumas localidades desse nosso orbe terrestre mostrar-se-ão mais chamativas e sedutoras do que outras. E certamente saberão elencar algumas razões para descreverem isso. Com games é a mesma coisa que acontece.

Se quando penso em uma grande viagem e a imagem que me ocorre é de um lugar frio com uma casa de madeira sobre uma montanha nevada isso diz algo de meu mundo e, portanto, algo de mim. O próprio fato de uma praia com sol escaldante não se mostrar neste meu horizonte tão facilmente também diz a respeito do modo com que o mundo se mostra para mim e como eu o habito.

Quais são meus mundos-jogo? Ou melhor, quais são estes mundos que me tomam e me envolvem profundamente? Três dos que mais revisito estão espalhados pelo post. Quais mundos-jogo são mais próximos de vocês? Pensando nisso talvez conheçam um pouco melhor a respeito de seu próprio mundo e caso busquem compreender outras pessoas, poderão também conhecer esse nosso mundo compartilhado.

É isso que queria trazer essa semana. Até o próximo post!

Academia Gamer: Nosso mundo
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10 ideias sobre “Academia Gamer: Nosso mundo

  • 03/07/2012 em 9:04 am
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    qual mundo se compartilha com o meu?

    acho que para mim essa resposta é simples. como moro numa cidade,nos games seria Rpgs ou games onde se passa nos tempos atuais. tanto que talvez por isso não jogue mais games com ambientação medieval,mas ainda curto. sobre um lugar que fui…uma vez fui ao Rio Grande do Sul, com aquele pessoal alemão…mas gostei das paisagem das casas, aquele lugar me fez lembrar da Suíça, claro eu nunca pisei lá. mas nos games passei muito tempo em Berna..nas competições do World Driver Championship no meu N64.

    e quando eu passeava pelo local, ao som de Dire Dire Docks, de Super Mario 64, não sei dizer, mas me senti em casa pelas horas que passei batendo pernas por lá, me lembrava do meu N64, amigos,parentes e outras lembranças…

    e sim, um gamer é capaz de entender outro gamer. independente do tipo de gênero que ambos joguem. porque acho que é meio uma língua universal para nós, certo?

    mesmo que a maioria dos seus amigos só joguem “wing elevi”…..

    Hee-Hoo Mestre Senil!

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  • 03/07/2012 em 12:28 pm
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    Sempre que vejo esses mapas de RPGs eu fico com muita vontade de jogá-los. É uma pena que muitos games possuem um mapa que serve unicamente para guiar o jogador ao longo da história, bloqueando acesso à maioria dos lugares interessantes.

    Jogando Skyrim eu sinto o que poucas vezes pude sentir num game, que é viver dentro daquele mundo, sem ter que ficar horas dentro de um labirinto matando monstros.

    Com relação ao mundo-jogo, eu sempre fico pensando à respeito do que me atrai num game. Existem certos gêneros que eu gosto mais, mas muitos games desses gêneros lançados recentemente não me agradaram.

    Estou começando a perceber que existem elementos menores que que os gêneros/temáticas que forjam o gameplay e geram imersão. Se os gêneros dos games são os átomos, estou percebendo que são alguns tipos de quarks que me atraem, ou alguns arranjos específicos deles.

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  • 03/07/2012 em 6:16 pm
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    Realmente, há jogos com “mundos” q despertam nosso interesse, ou algo em nós, e outros q não nos tocam…

    também estou jogando Skyrim, e a liberdade de ir e vir no jogo me fascina demais…..fazer o q quiser, e aguentar as consequencias depois, mas as possibilidades são mtas…..

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  • 03/07/2012 em 7:38 pm
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    Enquanto dois leitores estão em Skyrim eu estou em Cirodiil, a terra de Elder Scrolls: Oblivion. Esse mundo pouco aproveitado por mim ficou me chamando a atenção e esses dias tive recomeçar a jogá-lo, aproveitas mais o conteúdo de uma expansão que eu não tinha jogado direito. Geralmente eu curto temáticas medievais e também modernas como em jogos do GTA, mas mundos futurísticos são os que menos me atraem(deve ser por isso que sempre tive preconceito com Mass Effect). E eu também ao olhar essas imagens de mapas de jogos me dá vontade de jogá-los, só de ver as montanhas, localizações, nomes de cidades, fico imaginando o quanto de histórias legais devem estar contidas nesses locais, uma pena que não teremos tempo na vida pra experimentar tudo, o negócio é fazer as melhores escolhas.

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  • 03/07/2012 em 8:57 pm
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    O interessante é que a discussão acabou se tornando bem literal. Joguei um pouco apenas de Skyrim, e admito que o mundo me chamou muito a atenção (deverei comprar quando sair a edição completa e tiver desconto, digamos que já joguei minha demo-version), mas não sei se era este o sentido que o autor do artigo procurava explicitar.
    Há diversos jogos que acabam representando algumas das coisas que procuramos, ou que passam mensagens, claras ou não, com as quais nos identificamos. Na época dos 16 bits, os games de briga de rua não me atraiam apenas por serem legais e difíceis pra caramba (embora estas sejam as primeiras coisas nas quais eu pensei), mas também pela sensação de “justiça”. É tudo bem claro, mocinhos e bandidos, mafioso e policiais renegados. É a lei sendo aplicada, de certo modo; talvez por eu perceber que o mundo é injusto. Pela mesma razão eu talvez nunca tenha chegado perto de GTA.
    Shenmue, uma história de descoberta, muito legal, mas de certo modo desconcertante, porque o protagonista é essencialmente solitário. Preferi histórias (ou mundos) como Skies of Arcadia ou Grandia II, ou mesmo Shining in the Darkness e Phantasy Star, onde há um senso de companheirismo mais acentuado (mesmo com poucos diálogos nestes dois últimos, as simples sutilezas me fizeram imaginar estes jogos de forma muito profunda; do mesmo modo que se lê um livro e que depois vira filme, e como nos decepcionamos quando certas cenas ficam muito mais épícas em nossa imaginação).
    Além disto, os unânimes Portal e Half Life são muito bons. HL pela história e qualidade em si, e Portal porque de início era extremamente vago, e dava ao jogador a possibilidade de criar mentalmente sua história para o game. Portal 2 é ótimo e não vejo como poderia ser melhor, mas obrigou-me a descartar esta faceta pessoal do game anterior.
    Ou mesmo uma coisa mais mística. Rez é um game que apela para uma dimensão (ou mundo) muito pouco explorada, sua narrativa é muito sutil, é o tipo de game que quanto menos você souber dele quando começar a jogar, melhor. Toda a identificação visual remete a princípio a uma coisa, mas à medida em que se joga, e em especial quando se chega no final, o game reflete o que você quiser. Não sei se tinham a intenção de fazer um game tão reflexivo, mas pra mim ele é. E se enquadra perfeitamente nesta classificação de um mundo que nos atrai e com o qual nos identificamos ou procuramos compreensão. Aposto que cada um tem um game que proporciona este tipo de “imersão”. Ou seria “catarse”?

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  • 04/07/2012 em 2:20 pm
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    BEm sobre os mundos que mais gostei de entrar foram nos mundos de castlevanis (até o symphony of the night), final fantasy VI (soberbo), shadow of the colossus, enfim são tantos mundos diferentes.

    só nao gosto quando temos de encerrar algo, tipo quando se acaba fica uma sensação estranha, não sei se acontece isso com vcs mas comigo nao chega a ser vazio mas é estranho.

    quando vemos suas continuações e variantes as vezesnao ficam com o sabor do original acho que é isso.

    talvez viajei demais rsrsrsrs

    abraço a todos

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  • 05/07/2012 em 12:49 am
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    Gosto de visitar mundos tropicais, típicas influências Sonicas. 🙂
    Sobre o assunto, eu também acho que os mundos “cinzas” tendem a afastar as pessoas do jogo, gosto de fazer uma média entre o futuro apocalítico de Fallout e o mundo de Diablo, por exemplo…

    Em Fallout, quantas pessoas você conhece que ainda volta a jogar jogos da série após ter feito tudo o que se tinha para fazer? Seja matando tudo o que viu ou governando.

    E em Diablo, mesmo tendo aquele tema sombrio, será que o colorido ativo do jogo não é um convidativo?

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  • 05/07/2012 em 3:34 am
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    @leandro(leon belmont)alves
    Interessante esses seus lugares preferidos. O bacana é que eles mesclam algo de familiaridade (por exemplo, algo mais próximo de cidades etc.) com o estranho. E esse é o essencial de toda aventura. E é compreendendo esses mundos pelos quais viajou (ou quer viajar) que podemos conhecer você mesmo melhor. Afinal, são as coisas que lhe são mais próximase a própria maneira com que o mundo se mostra a você.

    @Fernando Lorenzon
    Pois é! Tem mapas que mais atiçam nossa curiosidade do que necessariamente servem para alguma coisa. Algo do tipo “o que será que descobriria se pudesse ir até aquela montanha ali?” Há uma sedução feita por um elemento do jogo que nem sempre poe ser satisfeita.

    Não acho que sejam os gêneros que nos atraem mais especificamente a um jogo. Eu mesmo gosto muito de alguns deles, mas tento me manter aberto a outros que não curto quase que por definição. Cada jogo nos seduz de uma maneira diferente. E hoje esse processo parece ser tão homogeneizado que todo game parece nos oferecer exatamente a mesma coisa. Quando fazem parte do mesmo gênero então, nem se fala…

    @Marcelo “Avenger”
    Eu até diria que todo jogo é um mundo (mundos dentro do nosso mundo, mas ainda assim mundos), mas concordo com você: alguns nos são muito próximos, outros nem tanto… Às vezes podemos estar aqui no Brasil, mas estarmos muito mais próximos, sei lá, da Rússia.

    @Juliano
    Você tocou num ponto interessante: o gosto é importante, mas é preciso saber escolher. Nós temos que escolher onde iremos nos aventurar. Não há como evitar isso de jeito nenhum. Isso acontece tanto dentro de um jogo em que, por exemplo, escolhemos ir a uma cidade e não a outra, mas também quando escolhemos a qual jogo daremos uma chance.

    @strider16
    Quando escrevi, pensava basicamente nesses mundos que experimentamos, em como alguns se mostram mais próximos de nós e em que sentido esses mesmos mundos dizem algo a respeito de nós mesmos justamente por essa relação que temos com eles. E essa reflexão foi exatamente a que você fez! Gostei bastante das suas considerações: muito profundas inclusive. Pude conhecer um pouco melhor de você a partir dessas suas considerações. Qualquer pessoa que ler com atenção o que escreveu perceberá a linha de sentido que une todos os exemplos que deu.

    E eu diria “imersão” ao invés de “catarse” porque ao jogarmos de verdade, há muito mais o objetivo de uma entrega do que o de uma fruição qualquer de prazeres ou evitação de algum desprazer. Se há alegrias em um jogo, é um acidente porque esse não o objetivo mesmo dele e assim por diante.

    @ulisses old gamer 78
    Não viajou não! hehehehe

    Isso é um problema sério mesmo… Os jogos são unidades fechadas e quando há essa prolifeação de continuações e tal, isso fica realmente confuso. Ao mesmo tempo que quer jogar de novo o mesmo game (porque ele é bom e vale a pena ser repetido), você quer experimentar o novo em outro game da série. Principalmente quando passam a ideia de continuidade de fato (algo que não aparece muito, por exemplo, em Final Fantasy).

    @tvtoon
    huahuahauhauhauha Muito bem lembrado! hehehe Curiosamente, as fases do Sonic que mais gosto não são tropicais.

    As cores com certeza influenciam porque elas têm um sentido e ao se mostrarem nas coisas (objetos do jogo) mostram-nas de determinada forma para nós.

    Eu conheço gente que joga e rejoga Fallout com certa frequência e acho que esse ambiente pós-apocalíptico pode ser muito próximo de algumas pessoas. E a mesma coisa com Diablo. Mas isso que é bacana: não é só a ambientação que basta. É a totalidade do jogo que tenta nos seduzir e que se mantém próximo ou não de nós.

    Por exemplo, eu curto ambientações medievais, mas Diablo é um jogo que está muito distante de mim. É um lugar que já visitei, mas que não me interessa tanto.

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  • 10/07/2012 em 5:29 am
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    @J.F. Souza (Yoz)
    Com certeza! O próprio mundo em que estamos já implica em infinitos mundos “dentro” dele. Quadros, livros, músicas, games, jogos… Tudo isso oferece um mundo alternativo temporário para habitarmos. E isso faz parte de nossa própria existência.

    Dezóris é uma beleza mesmo! hehehehe Meu planeta favorito em Algol com toda certeza!

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