“Para quem quer fazer exercícios de reflexão”

Olá crianças!

Muitos pensadores durante toda a história humana tentaram definir o que nos distingue dos outros animais. Essa discussão hoje em dia passa despercebida porque há uma ansiedade maior em definir nosso parentesco com outras espécies pelo DNA ou por ancestrais comuns do que enaltecer diferenças. E nós sabemos que um “mísero” 1% possibilita mudanças qualitativas infinitas entre nós e nossos irmãos de criação como provavelmente Francisco de Assis os chamaria.

Aristóteles foi aquele que melhor colocou essa diferença ao dizer que nós temos o logos. Esse termo grego é difícil de definir porque significa ciência, discurso, razão, pensamento e, mais amplamente, linguagem. Tomás de Aquino concordou com ele séculos depois e Gadamer também ao dizer que nós somos seres que possuem linguagem. Os outros animais conseguem “passar” entre si informações sobre o que gera prazer e dor, mas não no sentido mesmo de linguagem que nós possuímos e que possibilita muito mais que falar de gostos.

Complementando isso, Heidegger comenta que a característica essencial de nós enquanto seres humanos é o fato de questionarmos. Ou seja, o mundo se mostra para nós como uma questão e nunca como algo simplesmente “vivido” tacitamente. Não no sentido de que o mundo gera perguntas em suas aparentes desordens caóticas, mas sim que nós simplesmente perguntamos sobre o sentido do mundo o tempo todo. 

E a questão que tem movido todo o meu pensamento e reflexão desde o mestrado sobre Phantasy Star é justamente essa: o que é o jogo? Ou, em outras palavras, como é que ele se manifesta e se mostra no mundo? Qual o sentido de jogo?

E isso, claro, implica em perguntar também sobre o sentido de videogames. Afinal de contas, nós chamamos games de “jogos” e se o fazemos é porque o uso da palavra faz todo o sentido. E, pelo que tenho percebido, os videogames tanto clareiam como obscurecem a a possibilidade de descrição do ser do jogo.

Em geral a dificuldade aparece pela tendência de qualificar games como arte. E a ideia vigente de arte que temos desde o século XIX é um tanto manca como já discutimos aqui algumas vezes. A ideia de arte como “expressão” é uma das piores falácias que a ênfase dada às ciências acabaram por criar. Nesse “psicologismo”, esquecem que o autor “sai do caminho” após a publicação de sua obra e que ele não mais importa.

Outro perigo, que já discutimos aqui, é tratar o game como uma narrativa com elementos dramáticos que não fazem parte de muitos jogos. Ora, se o modelo não se aplica a uma descrição geral, porque continuar a utilizá-lo? Descreve-se “games narrativos” muito bem com eles, mas há uma hiper-interpretação com games que não o são.

Por fim, outro obscurecimento é enxergarmos o jogador de games como espectador quando, na realidade, não é isso que acontece. A ideia de um observador que experimenta a plenitude de um jogo é a descrição do jogo da arte e não do jogo (ou game) em geral.

Toda a Academia Gamer e meus textos acadêmicos seguem essa mesma pergunta inicial. E isso é basicamente uma outra questão igualmente perturbadora e essencial: o que é o mundo?

Tenho percebido que a importância de se compreender o que significa “jogo” possibilitaria uma compreensão da pergunta mais essencial do “mundo”. E nós, jogadores de videogame, que passeamos por muitos mundos diferentes, sabemos que a frase “a vida é um jogo” diz muito mais do que alguns podem pensar.

É isso que queria compartilhar hoje com vocês! Até o próximo post!

Academia Gamer: Questão de mundo
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8 ideias sobre “Academia Gamer: Questão de mundo

  • 10/07/2012 em 10:24 am
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    Excelente post mais uma vez no ponto.

    Sobre esse negócio de jogos serem arte, acho chato demais essa ‘classificação’ que andam dando aos jogos, depois passa o tempo e ficam esperando a cada jogo ‘uma nova obra incomparável’ que se torna descartável logo em seguida. Quero é jogo bom, com jogabilidade boa que me faça jogar ele por muitos anos, não estou dizendo que jogar diretamente e sem parar, mas aquele jogo que eu jogo, re-jogo e sempre tenho vontade de jogar, e não algo lindo, usando elementos de narrativa próximos ao cinema e gameplay todo scriptado pois esses daí são os ‘games arte’ tão descartáveis que ando vendo. Jogos tratados como o último grande lançamento do cinema o The Avengers, você viu The Avengers mestre Senil? Eu ainda não, espero que seja muito bom, e ainda assim tá lá, é um filme e uma hora verei e depois disso passa a vontade, talvez reveja algumas vezes mas ainda não tem como querer comparar filmes com jogos, filmes são filmes e jogos são jogos.

    Meio que viajei longe nesse comentário mas… é isso daí mestre. Flws

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  • 10/07/2012 em 10:28 am
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    Aliás essa última imagem do post, sensacional. Me lembrou que eu sempre tive um ‘tique’ de ficar regulando onde eu pisava nas calçadas, um tempão eu achei que isso era só coisa minha e que eu tava meio louco, ahahahahahahaha.

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  • 10/07/2012 em 1:43 pm
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    eu não me acho um simples expectador, num game de corrida, EU sou o piloto. num game de luta…err..pula essa, num futiba, me imagino o técnico, em RPG ajudo os heróis. nos games se deve colocar um pouco de pensamentos, na época da Atari, as pessoas usavam a imaginação para justificar os pontos na tela. e videogame pode ser arte, mas esse é um dos motivos de preferir jogos mais simples. estou cansado de tanto CG e Gráficos sensacionais.

    e sobre as ultimas fotos, eu quando garoto imaginava ter uma Lionhearth(a espada final do Squall) e fingia matar os monstros do jogo…melhor do que meu irmão fingia pegar pokémons.

    eu…não me orgulho disso….mas enfim, Hee-Hoo Mestre Senil

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  • 14/07/2012 em 9:48 pm
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    Também apóio a noção de que jogadores não são espectadores. Se bem que, o cinema e a tv atuais também fazem algo que nos torna mais do que simples espectadores, e não falo só de twitar para atores e produtores, ou args ou outros tipos de promoções nas quais o público-alvo é instigado a participar ativamente.
    Os games atuais estão pegando os trejeitos de comunicação já praticados rotineiramente pela tv e cinema, que é transformar cada um dos personagens em um estereótipo, com o qual o espectador se identifique. Assim, de certo modo ele se vê participando na história. Apelando-se para os modelos que regem o comportamento, seriados como House por exemplo acabam fazendo sucesso porque os espectadores se sentem mais inteligentes, compartilham o raciocínio do protagonista. Antes a preocupação era em simplesmente contar do melhor modo possível a história, mas hoje há também a necessidade mercadológica de fazer com que o publico-alvo se veja nela. Não que esta necessidade não existisse antes, mas era menos importante.
    Mas há casos também em que é preciso propiciar esta imersão, porque a narrativa da história em questão assim o exige.

    Agora falando do meu ponto de vista em relação aos jogos, não vou dizer que eu “sou” o piloto, assim como quando eu jogo street fighter eu também não “sou” o Ryu, a Chun-li ou a Cammy. Mas eu os controlo, e quero que tudo acabe da melhor maneira possível para eles. Talvez um meio termo seriam os games de rpg, que embora tenham temática parecida com os jogos de mesa não nos envolvem tanto, até por conta da liberdade limitada de ações nos games eletrônicos. E tem sempre aquele tipo de game mais impessoal. Como nos colocamos diante de um game como Tetris ou Columns? (Puyo-puyo não se enquadra, pois tem personagens)
    Há um tipo de interação entre nós e os eventos acontecendo lá (na tv, na janela, do outro lado, no outro mundo que dependendo de nossa atitude reflete o mundo real ou nos transporta para uma realidade a qual podemos moldar a nosso gosto assim como nos moldarmos nela como quisermos – talvez por isso nos mmo quarentões com avatares de menininhas), e eu não consigo pensar muito em como definí-la, pois varia para cada jogo e jogador.

    Tudo depende demais de pontos de vista. Lembro de uma notícia daquele filme “Indie Game – the movie”, o qual ainda não vi. Se bem me lembro, tinha um dos artistas (foi a primeira palavra em que pensei, veja só) que criou um dos games citados no filme, e ele meio que confessa que o jogo que ele criou tinha uma série de metáforas que ele queria transmitir ao jogador, mas ele viu depois nos comentários que leu mais tarde sobre seu game que ninguém em parte alguma mencionou ou desconfiou qualquer coisa sobre as mensagens originais. Estou pensando em assistir ao filme e jogar o game – não nessa ordem – porque isso me fez pensar.

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  • 15/07/2012 em 7:38 pm
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    Gagá, mudou o layout ?
    É que eu estava lendo postagens antigas (estou no final de dezembro/11, estou alcançando vocês), e de repente o layout mudou… e não tem mais link para eu seguir para a próxima ou anterior postagem (dentro do post em que eu estiver lendo).

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  • 15/07/2012 em 10:19 pm
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    Eu gostaria de dizer que concordo quanto a linguagem e a definição básica “homo sapiens sapiens”. Passando isso para o jogo, posso dizer que nós somos o “Big Bang” deles: não existe suma importância em um todo, sendo esse “todo” o jogador, mas apenas o início da divisão das tarefas programadas.

    Ou seja, concordando em partes com um dos comentários, não posso dizer que sou inteiramente Ryu pois não solto bolas de energia por aí, mas com certeza sou parte dele porque exerço a atividade proposta pela sua existência (soltar bolas de energia).

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  • 19/07/2012 em 10:39 pm
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    Pessoal! Desculpem-me pelo imenso atraso em responder! Estava em São Paulo resolvendo um monte coisas que foram se atropelando até meu retorno a Rondônia há dois dias… Sequer consegui finalizar o post para essa semana a tempo (que ficou, portanto, para a semana que vem).

    Isso está ficando meio repetitivo, mas perdoem-me, sim?…

    @Juliano
    Não viajou no comentário não, fique tranquilo. hehehehe

    Eu penso exatamente assim. Só acrescentaria que até podemos dizer que jogamos como espectadores ao assistir um filme, vermos um quadro etc., mas o “modo de jogar” é diferente. Há algo de jogo na arte, mas não o contrário (exceto por alguma hiper-interpretação em que pegamos uma teoria de arte e tentamos encaixar o game nela). A arte é e sempre será um jogo representativo: ou seja, tem a tarefa de mostrar alguma coisa às pessoas.

    Tocou em outro ponto importante: os game designers acabam sendo meio responsáveis pelo tipo de jogos que temos hoje ao verem o cinema como modelo ideal de jogo. O que vemos de tentativas de “jogos realistas” não é de hoje. Física “perfeita”, uso de atores reais (Mortal Kombat já fazia isso) etc.

    Mesmo na arte a repetição é importante. Esse, inclusive, é um dos seus aspectos lúdicos. É preciso, re-jogar, rever etc. Pô, já assisti o filme Coração de Dragão (com o Dennis Quaid) uma dezena de vezes. E ele ainda me diverte e me emociona. A mesma coisa com Nárnia nos romances, Augusto dos Anjos na poesia, Escher nas artes visuais etc. Nem dou exemplo de músicas porque senão vou longe. hehehehe

    Assisti os Vingadores sim! É um filme bacana, mas não sei se assistiria de novo. É meio descartável como boa parte das coisas produzidas atualmente. Vai depender da minha impressão quando assisti-lo novamente. Se a repetição for prazerosa, aí ele não será descartável como imagino que seja. estou aberto à experiência genuína com ele.

    huahuahauhauhauha Eu também brincava disso quando moleque. hehehe O jogo em geral (seja game ou não) é bem assim também: o mundo “normal” deixa de fazer sentido. Não estamos mais na calçada decorada com aldrilhos pretos e brancos, mas em um lugar em que pisar no branco pode ser fatal e temos que pular e desviar dele do melhor jeito que pudermos. hehehe

    @leandro(leon belmont) alves
    De fato: ao jogarmos um jogo estamos lá. Não diria que somos o piloto ou os personagens em específico, porque há sempre certa consciência de que os controlamos. Assim como não nos confundimos com as peças de xadrez (não somos o rei, por exemplo). O que não quer dizer que estamos “fora” desse mundo-jogo em questão: muito pelo contrário.

    Até já falei disso outras vezes aqui. Ao jogar um RPG como Phantasy Star, não nos confundimos com o grupo ou um personagem (mesmo sendo um nosso favorito): nós relatamos o jogo sempre no singular e falando coisas como “eu fiquei subindo de nível para poder derrotar aquele chefão”. Não porque somos o personagem, mas porque o movemos de algum modo.

    huahuahauhauhauha Não se orgulha de ter sido o Squall em suas brincadeiras? hehehe A gente faz besteira na infância mesmo, pode ficar tranquilo porque está perdoado! huahauhauhauhauha Brincadeira! Eu nem lembro se fazia algo parecido com personagens de games; geralmente eram de desenhos (como Cavaleiros do Zodíaco por exemplo).

    @strider16
    Essa questão da identificação é complicada. É claro que a maioria das pessoas a exige (e isso há séculos antes dos games existirem), mas essa é uma maneira manca de experimentarmos uma obra de arte e, porque não, o jogo. É perfeitamente possível ter uma experiência maravilhosa com um game mesmo com ele não tendo “a sua cara” ou não possuindo um personagem como você.

    Mas o que falou é fato: com a aproximação com o cinema, isso virou praticamente regra e o perigo está aí. Pelos estereótipos que comentou (quantos personagens iguais ao Cloud de FFVII não temos desde esse jogo?), mas por promover a superficialidade e a descartabilidade dos games. Afinal, se o cara passa pelas mesmas coisas que eu, para quê jogar mais vezes o mesmo jogo?

    De fato, não somos o piloto. E eu iria mais longe e diria que mesmo em RPGs (pensando aqui nos games e não nos de mesa) não somos esses personagens nem um pouco. hehehe Falei disso mais acima em outro comentário. E mesmo em RPGs de mesa com ênfase na interpretação isso me parece claro porque numa sessão de RPG não há a preocupação com espectadores, logo não é um jogo representativo com atores: é um jogo em que controlamos personagens e que esse controle exige, pelas regras de alguns sistemas, que ajamos como eles agiriam e não apenas falarmos o que fariam. Tanto que eu jogando RPG só interpreto as falas. Todas as ações eu descrevo normalmente. Um Live Action pode ser algo mais limiar nesse sentido, mas eu ainda acho que não seria um jogo representativo (com a tarefa de mostrar algo a alguém “de fora”), mas precisaria me debruçar mais sobre isso.

    Assumir um papel não é apresentá-lo a alguém por definição, entende? Nós assistimos futebol, mas os jogadores não jogam para que os vejamos jogar: a preocupação deles está ali, dentro do campo.

    Columns III e várias versões de Tetris têm uma historinha por trás. Esses também ficariam de fora. hehehehehe

    E não importa o que o artista ou o designer quis passar. O que importa é o que as pessoas veem. Se ficou ambíguo, as pessoas verão ambiguidade e será isso que descreverão. Depois de pronta, o autor de uma obra não tem primazia nenhuma sobre ela e acerca e sua interpretação.

    @Marcelo
    hehehehe Nem sei cara! Não sou eu que mexo com isso, mas o Gagá mesmo.

    Pelo menos tudo parece ter se resolvido. hehehe

    @tvtoon
    Eu já acho que seja um pouco diferente. O jogo já está lá “iniciado” e somos nós que escolhemos entrar nele ou não. No caso do nosso mundo-base (nosso universo), ele já estava aí (o big bang já havia acontecido) quando entramos nele. Com jogos é a mesma coisa: entramos em mundo específico que possui suas regras (por exemplo, soltar bolas de energia é possível) e que temos que seguir de todo jeito para cumprir a tarefa que ele nos propõe (vencer um campeonato, por exemplo).

    Um mundo-jogo não depende do jogador para ser criado. Somos nós que nos submetemos, enquanto jogadores, a um mundo e não nós que ativamente o estabelecemos.

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