“Para quem quer fazer exercícios de reflexão”

Olá crianças!

Em fenomenologia, nós dizemos que não existem intermediários em nosso contato com as coisas do mundo. Mesmo as palavras não são meras representações das coisas: ao dizermos “mesa”, não dizemos algo arbitrariamente construído que remete à mesa; nós simplesmente fazemos referência direta a “mesa”.

E quando estamos jogando qualquer coisa, o mesmo acontece. Vou enfocar em uma imagem por ser algo mais simples de visualizar, mas isso se aplica a tudo aquilo com que nos relacionamos uma vez que tenhamos entrado no jogo.

Nem sei quantas vezes eu já vi essa cena. Mas com certeza deve estar lá pelas casas dos milhares. 🙂

 

Pensem na Green Hill Zone do primeiro game do Sonic para o Mega Drive. Assim que podemos começar a jogar efetivamente, uma das primeiras coisas que podemos observar na tela são as palmeiras que decoram todo o cenário. Vocês até podem pensar: “mas elas são justamente decorativas: não podemos usá-las para nada!”. Bem, como já discutimos aqui, jogos e artes também são inúteis do ponto de vista pragmático; e é justamente aí que reside a sua grandeza: a de não poder ser utilizado para nada prático.

Ao olhar aquelas palmeiras, não vemos uma representação de árvore que nos remete, em última instância, a uma outra árvore que seria “realmente real”. Jogando, o que vemos ali é uma árvore. Assim como ao lermos em um livro qualquer que “o menino, cansado de correr do perigo imaginado, recostou-se junto a uma árvore velha e ressequida para tomar fôlego”, a palavra “árvore” não é o meio que nos leva a imaginar uma árvore real: a palavra já é a coisa que ela designa.

No caso de imagens, a qualidade e quantidade de detalhes não é importante. Se comparar as árvores que aparecem em Phantasy Star do Master System com aquelas que aparecem em, digamos, Dragon Age, existem diferenças na forma com que aparecem. Mas sempre que olharmos para uma ou outra, nós veremos algo que as une: o ser-árvore. Quando olhamos o desenho de uma criança de uma árvore e a mesma coisa em quadro renascentista, não dizemos que uma árvore é “mais real” que a outra, ou que ambas “fazem alusão a uma árvore real”: são árvores, simples e puramente.

Para quem nunca jogou Phantasy Star, recomendo: NÃO entrem nessa floresta assim que começar o jogo.

 

Aquele desenho, aquele gráfico com alguns pixels ou com milhares de polígonos mostra a si mesmo como árvore. Ou seja, o sentido que isso tudo tem para nós é o sentido de árvore.

É muito difícil, mesmo em nosso dia a dia, pararmos para refletir a respeito dessas coisas. E foi o que acarretou a toda um tipo de “teoria dos meios” que praticamente postula que nunca estamos em contato direto com as coisas ao nosso redor no mundo. Lidaríamos, basicamente, somente com representações de coisas.

Boa parte da crítica contra os videogames passa por isso e por não ser algo “real” ou, paradoxalmente, por ser “real demais”. Mas este não é o ponto principal da discussão. O cerne de tudo é que um game não é “virtual”, ele não é puramente “imaginado”, por assim dizer: a percepção e essa relação direta com os objetos em jogo está sempre presente. Quando estamos jogando um game, pixels não representam objetos do cenário e nem uma fala representa a tristeza de um personagem: tudo isso está ali, na nossa relação intencional (como chamamos em fenomenologia) entre nós e as coisas em jogo.

São árvores como as do Sonic e as de Phantasy Star.

 

Um jogo não “representa coisas do mundo real”. Se vemos táticas de guerra no futebol, não é porque o futebol “representa ludicamente” a guerra, mas porque ao observarmos toda a dinâmica da partida vemos isso claramente. É bem verdade que usarmos analogias de jogo para compreendermos as coisas do mundo são válidas, mas é preciso ter claro que elas (e também as metáforas) dizem aquilo que querem dizer aparentemente dizendo outra coisa.

Uma árvore desenhada com pixels é uma árvore. Mas uma metáfora com árvore geralmente quer dizer outra coisa; não por representação, mas por aproximação. A escolha das palavras não é arbitrário; se fosse, jamais chamariamos do movimento de folhas ao vento de “dança”: não é uma dança efetiva, mas tem elementos que nos remetem a algum tipo de balé.

Como estou longe de casa, procurei este na internet. Pensei em colocar um dos da minha sobrinha, mas a gente se vira com o que tem disponível mesmo. 🙂

 

É isso que queria compartilhar com vocês essa semana. Até o próximo post!

Academia Gamer: Sentido de árvore
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14 ideias sobre “Academia Gamer: Sentido de árvore

  • 02/08/2011 em 9:31 am
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    eu já estou jogando Phantasy Star Senil. e bem..realmente quando olho para as palmeiras do green hill zone(e eu nunca zerei um game do sonic..ainda) me fazia imaginar que eu realmente estava naquela ilha paradisiaca com o Sonic. era uma ótima sensação. as vezes em games,eu paro de jogar um pouquinho para apreciar a paisagens daquele nível. e sei lá, as vezes eu olho para uma floresta ou algum matinho, só esperando que algo surja da-li.geralmente presto atenção “nas árvores” em games de corrida, como Gran Turismo. ficava imaginando se nas pistas onde tem florestas haveria animais ou até mesmo pessoas que morar ali..eu fico pensando nisso quando jogo.

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  • 02/08/2011 em 12:04 pm
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    e eu que quando viajava de carro ficava contemplando as paisagens, imaginando se naquelas florestas ao longe não tinha alguém batalhando contra algum monstro, se existia alguém precisando de ajuda, etc.. tudo graças aos “matinhos” dos rpg’s clássicos. Olha.. essas árvores botaram minha imaginação pra funcionar e muito!

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  • 02/08/2011 em 5:43 pm
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    @leandro(leon belmont)alves
    Você experimenta tudo isso porque você não racionaliza a sua relação em um “mundo virtual” como somente um espaço recheado de representações de coisas e não as coisas mesmas. No caso, você não vê “gráficos que fazem com que lembre de árvores”, mas árvores mesmo.

    @Albatross
    @Anonymus_rs
    Na verdade, a fenomenologia (a minha abordagem teórica em psicologia) é bem simples porque ela fala da nossa relação mais direta com as coisas do mundo; o problema é que séculos de linguagens que falam em “representações de coisas” e outros tipos de abstrações. Vou tentar resumir o que quis falar em poucas palavras.

    Nós não nos relacionamos jamais com “representações de coisas”. E a ideia de um “mundo virtual” seria um universo que emula coisas do mundo real; ou seja que, “embora não sejam estas coisas, nos fazem lembrar delas.” Mas é isso que eu quis criticar: em jogos, não importa o nível de detalhes e nem o fato de ser “virtual”: quando vemos uma árvore em jogo, para nós ela tem um sentido mesmo de árvore e não de “pixels que nos fazem lembrar de árvores”.

    Evidentemente, isso se aplica a qualquer coisa em jogo. Usei a árvore como exemplo por ser comum em muitos deles.

    @Oztryker
    A imaginação também é bastante interessante nesse sentido.

    A diferença que quis destacar nas árvores que vemos em games é que não as “imaginamos” como árvores, mas as “percebemos” como árvores (que são coisas bem diferentes). É claro que as coisas que percebemos podem alimentar nossa imaginação; isso é inegável.

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  • 02/08/2011 em 9:00 pm
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    com certeza natureza e vida tem nos games,,,sempre é mostrado como a natureza pode influir na vida da pessoa,,,joguei muito peter pan do snes e ficava maravilhado com os gráficos belíssimos do jogo,,prinicipalmente sobre árvores e plantas, dragon quest também e geralmente os jogos de rpg exploram muito isso,,,,mas essa telinha saudósica do sonic é de cair lágrimas mesmo,,,,,mundialmente conhecida e explorada por gagamaniacos como eu,,,e sinceramente belo texto e video game e vida real tem tudo a ver,,,jogar, apreciar e começar tudo de novo,,,,seria tão legal se a vida real fosse assim,,,infelizmente a vida verde está mais segura na vida gamer do que aqui onde vivemos,,,,o video game nos faz esquecer um pouco dos problemas e sem o video game é qu estamos com os problemas que já viraram rotina.

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  • 02/08/2011 em 10:03 pm
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    A árvore do Sonic é um amontoado de pixels sobre a tela, a árvore da minha rua é um amontoado de células sobre a calçada,são duas “construções”.Senil,você tem razão.Eu percebo as árvores em Sonic e não tento imaginá-las… é algo implícito,mas é estranho… quando eu olho para minha calçada eu adoraria ver um monte de argolas de ouro e alguns girassóis simétricos assim como o vira-latas aqui da rua adoraria(imagino)mijar nas palmeiras de Green Hill Zone.Não se pode ter tudo,não é mesmo?

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  • 03/08/2011 em 1:04 am
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    Mas sempre que comecei a jogar Phantasy, minha primeira atitude sempre foi ir na florestinha. Tá certo que tem uns owlbear que podem te matar logo de cara, mas vale pelos insetóides.
    As árvores do Sonic lembram um kirigami (o kirigami é uma técnica do origami, mas ao contrário deste, faz uso de tesouras) lembrando mais um recorte em papel que uma árvore representada semelhante a real.

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  • 03/08/2011 em 12:36 pm
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    Esta representação das palavras lembra um pouco a filosofia do mundo das idéias de Platão. O texto também me fez lembrar daquela pintura de um cachimbo com os dizeres “Isto não é um cachimbo” escrito em francês, hehe. Talvez você conheça.

    Sabe o que o texto me remeteu também? Auto-ajuda baseada em física quântica, tipo O Segredo ou Quem Somos Nós. É um pulo muito fácil falar que tudo o que lidamos ao nosso redor é uma representação ou um símbolo, e daí como tudo está na nossa cabeça, podemos alterar a realidade com o poder da mente!!!!111!!!

    Senil, vamos ficar ricos publicando um livro assim! Amit Goswami ficará no chinelo.

    O primeiro passo é vencer o desafio do James Randi.

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  • 03/08/2011 em 6:09 pm
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    Divaguei para longe hahaha
    Minha mente já fugiu das árvores para a violência (andei jogando GTA III nos últimos dias, ô joguinho embaçado!). Na época de Halloween do Atari, muitos reclamavam da violência, ainda que a decapitação fosse feita em poucos pixels. Depois, com os GTA e CS da vida, a violência, nem maior nem menor do que as decapitações do Atari ou de Sword of Sodam (Mega Drive), passou a incomodar muito mais.
    Na essência, não diferem muito: representação de situações violentas, mas onde começam a ver ali uma situação da realidade ou apenas um jogo? Por isso não concordo com tantas críticas a esses jogos, a não ser os que usam muitas referências do mundo real (convenhamos que capotar o veículo várias vezes, levar vários tiros e sair andando não tem nada de real, mas ninguém se importa, é só uma representação).

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  • 13/08/2011 em 3:56 pm
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    Desculpem a demora em responder!

    Como falei no outro post (desta semana mesmo), preferi por responder o mais recente primeiro para não acumular mais um atrasado. Espero que me perdoem. Estou trabalhando muito e a correria só tem me deixado olhar seus comentários com alguma calma aos finais de semana (e isso porque me obrigo a não fazer nada do trabalho e cuido de outras coisas. Detalhe: estou morando sozinho agora e tenho MUITA coisa para fazer. hehehe

    @helisonbsb
    Sim, com certeza. Tudo com que nos relacionamos é cheio de vida. e com relação aos jogos, isso é igualmente verdade. Eles “brotam” do mesmo lugar, por assim dizer. São mundos à parte do “mundo real”, mas nasceram dele. Enquanto jogamos, temos outras preocupações e tarefas e não mais aquelas do nosso dia a dia.

    @Dactar
    A ideia é mais ou menos essa mesmo. Quando vemos uma “coisa” já sabemos que essa “coisa” é, veja só (hehe), uma “coisa”. Não pensamos nela por representação ou imaginação. Com relação à linguagem é mais difícil de imaginarmos isso, mas mesmo uma palavra não “representa” a coisa, mas a “apresenta” diretamente. A árvore no jogo do Sonic, a árvore em uma praça e a palavra “árvore” todas elas falam diretamente da mesma coisa (ou do mesmo fenômeno); embora, claro, tenham as suas particularidades.

    @Daniel Paes Cuter
    hehehe Eu fazia isso também! Mas morria rapidinho e começava a vagar só pelas planícies até ganhar alguns níveis e ser capaz de, pelo menos, matar um Scorpion sem quase morrer. hehehe

    @Juliano
    Donkey Kong tem cenários bem bacanas mesmo. É um dos principais atrativos dele.

    @Fernando Lorenzon
    A ideia de representação (vigente até hoje) é bem platônica mesmo. Diferente, por exemplo, do posicionamento do Aristóteles (e, consequentemente, de São Tomás de Aquino). Em fenomenologia a gente esquece isso porque a linguagem não representa, mas apresenta (como falei em outro comentário); era assim que os gregos de modo geral viam a linguagem: dizer acerca das coisas era colocar as coisas diante de outras pessoas; não era para que elas “imaginassem” ou “pensassem” nelas.

    huahuahuahauhauha Pior que isso funciona. No final das contas, “o segredo” verdadeiro é escrever um livro de auto-ajuda. hehehe

    Acho até ruim essa popularização da física quântica porque é um assunto bem interessante (e uma das muitas razões pelas quais eu prestei física na minha época de vestibular – embora não tenha sido aprovado hehe).

    @Iceman
    huahuahuaha Não tem probema! Como vivo falando, o importante é deixar a discussão aqui nessa coluna fluir; não existem off topics aqui. hehe

    O problema da violência dos games não é nem a proximidade com o “realismo”, mas o fato das pessoas não levarem em consideração de que, em determinados jogos ela faz sentido. Um jogo de guerra sem violência não faria sentido. Eu mesmo critico o excesso de violência e erotismo quando são desnecessários em determinadas coisas. Por exemplo, um anime, um game ou um filme que poderiam ser excelentes sem tais coisas porque acabam sendo um “extra” somente para angariar público e não porque faz sentido naquele mundo proposto.

    E um jogo não tem que ser “real” para ser divertido. Na verdade, quanto mais fantasioso, mais fácil de “entrarmos” nele fica. As regras de cada jogo que o tornam interessante ou não. Por exemplo, ainda acho um saco você jogar Diablo naquele esquema de: seu personagem morreu, já era – e você tem que criar outro. hehehe É mais “real”, mas é um realismo de fachada porque em um mundo de fantasia medieval não é ilógico que existam pessoas imortais, pessoas que ressuscitam e coisas do tipo. Faz sentido que isso aconteça, então está tudo bem.

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