Responda rápido: por que você gosta tanto de jogar os títulos da série Grand Theft Auto? É por causa da violência? Do prazer de cometer atos ilegais? Da adrenalina de fugir em disparada da polícia atropelando todo mundo que estiver pelo caminho? Seria muita hipocrisia negar que é muito divertido fazer todas essas coisas em GTA. Mas eu vou dizer por que eu gosto de jogar GTA: pelo mesmo motivo que me levava a jogar Payload no bom e velho MSX.

Vida de caminhoneiro é uma dureza!

Payload foi desenvolvido pela ZAP (quem?) e lançado pela Sony em 1985 para os computadores do padrão MSX, extremamente populares aqui no Brasil na época. Eu tinha um Hot-Bit lindão lá em casa, e Payload era um dos meus jogos favoritos.

Você controla um caminhão, e a jogabilidade consiste no hoje manjado sistema de busca e entrega de encomendas: vá até a área x buscar a carga e entregue-a na área y. Quem jogou os primeiros títulos da série GTA deve reconhecer essa mecânica: buscar um criminoso na zona oeste da cidade, levá-lo até a zona leste… lembram disso? A mecânica dos outros GTAs não é muito diferente, embora os jogos da franquia da Rockstar tenham se tornado bem mais complexos ao longo dos anos. Mas um detalhe: Payload saiu doze anos antes do primeiro GTA. 

O jogo se passa no Japão, então é necessário manter-se sempre à esquerda na estrada. O mapa se divide nos diversos distritos japoneses, e você começa em Hokkaido. Lá vão oferecer a você seu primeiro serviço, que pode ser, digamos, transportar vacas até Nagasaki. Uma tela exibe o prazo da entrega, a distância e o pagamento. Você pode recusar e buscar emprego em outra cidade, se preferir.

Gagá levando multa por excesso de velocidade bem em frente ao posto de gasolina

Pegou o trampo? O relógio começa a correr, e é hora de “voar” até o pontinho que pisca no mapa e indica seu destino. Fique atento aos sinais de trânsito: dá para avançar, mas os outros motoristas respeitam, então se correr muito você pode acabar enfiando o caminhão no carro parado à frente.

A polícia é uma constante fonte de preocupações. Ao ver uma patrulhinha, evite avançar sinais ou correr muito, pois será multado. O ideal mesmo é mudar de rota para passar longe, porque você pode ser multado também se a carga que transporta estiver acima do peso limite. Atenção aos radares em pontos estratégicos, equivalentes aos nossos infames pardais: correu demais diante de um deles, é multa na certa.

Um indicador de fadiga cresce conforme você dirige. Se o valor ficar muito alto, seu cansado motorista vai ficar com os reflexos mais lentos e demorar mais para fazer as curvas, um convite a acidentes. Para zerar o indicador de fadiga, pare o caminhão em uma loja e compre um refrigerante. Se comprar uma cerveja, o indicador de fadiga vai aumentar mais devagar, mas você pode ser multado por dirigir embriagado.

A autoestrada parece moleza, mas tá cheia de domingueiros doidos para te fechar

Também há lojas de equipamentos para seu caminhão. Compre o rádio, porque a música contribui para que a fadiga demore a aumentar. O farol mais potente aumenta o campo de visão quando a noite cai (sim, os dias e noites passam no jogo).

O jogo tem mesmo um jeitão de sandbox, porque depois de concluir um serviço você geralmente dá uma relaxada antes de pegar outro: vai abastecer o caminhão no posto de gasolina, toma um refrigerante na loja de conveniência, compra um motor melhor… pode até passear livremente pelas cidades só por diversão, o jogo não te pune por isso (desde que você não fique sem dinheiro para a gasolina, obviamente). Cansou de rodar? Procure outra entrega e volte a trabalhar.

Há distritos urbanos, cheios de sinais e com trânsito intenso, e distritos rurais, sem sinais e mais tranquilos. Vez ou outra você topa com um engarrafamento no meio da noite, e só vê aquela longa fila de faróis à sua frente… que tal virar na primeira esquina para ir tomar um café… ou uma cerveja? Se estiver com uma entrega e o tempo estiver curto, você pode pegar uma autoestrada e seguir em linha reta e alta velocidade até um distrito distante, mas tem que pagar pedágio, e como não há paradas nesse caso, pode ser difícil manter a fadiga baixa.

À noite o trânsito fica mais perigoso… melhor ir mais devagar

O objetivo do jogo é encher o indicador de grana de noves, resultando em um final um tanto… inusitado. Mas pouca gente se importava com o real objetivo: o grande barato de Payload era transitar pelos distritos japoneses, respeitando a sinalização, dirigindo com cautela, evitando problemas com a polícia…

O brilho de Payload estava nessa sensação de liberdade, nessa simulação de vida de caminhoneiro, na liberdade de escolher o que fazer, para onde ir, e como. Ali naquele humilde joguinho de MSX, em 1985, a gente já podia avistar sinais do estilo “sandboxing”, um mundo aberto onde você tinha liberdade para ir e vir, e que GTA ampliaria à enésima potência, especialmente a partir de GTA III.

Não temos a chance de descer do caminhão, nem de trocar socos com ninguém em Payload, mas o joguinho era danado de bom. Ainda lembro de como eu me envolvia com aquele lance de estar dirigindo pela cidade, atravessando estradas, parando para comprar um lanche, enfrentando o congestionamento na madrugada. Eu sonhava com o dia em que um jogo me daria tudo aquilo e ainda me permitiria descer do caminhão, dar uma volta, entrar nos bares… e hoje está aí o GTA para fazer a nossa alegria.

Um vídeo de Payload subido pela turma do Museu dos Jogos

Portanto, na próxima vez em que alguém vier lhe dizer que GTA é apelativo e só vende porque é violento, lembre-se deste simpático joguinho do caminhoneiro japonês. É nele que você vai encontrar a essência do que torna GTA realmente divertido. Os gráficos tridimensionais e as “traquinangens” do sucesso da Rockstar são apenas a cereja do bolo.

Payload (MSX), o tataravô de GTA
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